Capítulo Único

85 6 1
                                    

Eu sou feito de ossos,carne e órgãos,ossos carne e órgãos que não são meus,foram roubados,todos roubados.

Minha perna esquerda pertence a alguém,a direita a outra.

Meus braços foram costurados e emendados.

Meu corpo é deformado,cheio de falhas.

Meus olhos são inexpressivos,inertes, cinzas,nebulosos e sem vida como as pessoas com as quais fui montado.

Sou um retalho,como um tecido feito com partes de outros.

Não respiro.

Não sinto.

Silêncio,apenas silêncio.

Meu cérebro é como um relógio.

Tic tac.

Tic tac.

O vazio crescente em mim é um destino pior que a morte.

Mas como um estalo de dedos algo em meu peito se encheu quando conheci você,meu coração finalmente estava fazendo algo além de apenas bater.Agora ele me proporciona vida,vida de verdade.

Apesar do meu mundo continuar cinza e morto pelos meus olhos,eu me senti vivo,o sorriso no seu rosto se alargou quando lhe trouxe aquela flor,pude ter certeza que seu rosto ruborizou,mesmo não vendo cor.

Nós sentamos na grama e eu senti pela primeira vez o calor do sol queimando suavemente a pele como uma carícia,seus dedos deslizaram em meu rosto.

Eu era um monstro,era o que todos diziam que eu era, boçal,sem sentimentos, incapaz de amar,mas isso não importava para você.

E vejo que tudo era uma mentira,pois você me ensinou a amar.

Me ensinou a viver, sentir.

Me ensinou a ser humano.

Os anos se passaram,seus cabelos ganharam a coloração branca,sua pele se tornou enrugada,os olhos cansados.

Mas sempre mantinha o mesmo sorriso.

Suas pernas não corriam mais como antes,agora eram lentas,as gavetas lotadas de remédios de todos os tipos.

Levava você com frequência para fora e sentava em uma cadeira ao seu lado para que pudesse sentir o sol como antes.

Achava que tínhamos todo o tempo do mundo,mas não tínhamos.

Ah,a vida humana,ela é apenas um sopro.

Seu peito não subia e descia como deveria,seus olhos não tinham mais a vida que tinham,seus lábios eram estranhamente pálidos.

E quando te segurei em meus braços uma lágrima traçou meu rosto como uma lâmina dolorosa,a gota pingou em sua testa,como pode algo doer tanto assim?

Com minhas próprias mãos eu cavei um buraco perfeito para você. O relógio de bolso já bem gasto que você tanto amava eu botei em suas mãos pois acreditava que para onde quer que fosse você o levaria consigo.

A terra cobriu o seu corpo,como uma cortina mortal,e eu disse adeus.

Mas não se sinta mal,viva e olhe o sol onde quer que esteja,você me tornou vivo,você me fez sentir,e pelo menos uma vez,eu soube o que era ser humano.

Frankenstein Onde histórias criam vida. Descubra agora