I - A Serra

118 9 79
                                    

Acordei com o sol em meu rosto. Olhei para o lado, um pouco desnorteado. Juliana dirigia tranquilamente, perdida nos próprios pensamentos, a cabeça balançando ao som da música que saía do rádio. À nossa frente, quilômetros de estrada ainda podiam ser vistos, rodeados por campos abertos e quase desérticos – se não fosse algumas árvores aqui ou ali. O sol se aproximava do horizonte, forte como nunca, e o protetor que Juliana baixara à minha frente, enquanto eu cochilava, não fora suficiente pra impedir aqueles raios impiedosos de queimarem minha pele.

– Falta muito? – perguntei, bocejando.

– Não. Só mais uma hora e chegaremos lá.

– Quer que eu assuma o volante?

– Não, tô tranquila. Pode voltar a dormir.

– O sol não deixa – reclamei, me espreguiçando. – Caraca, uma hora ainda? Já não aguento mais esta estrada.

E eu tinha razão para não aguentar. Estávamos viajando há doze horas ininterruptas pela mesma rodovia interminável. Até aquele momento, eu não sabia que era possível uma única estrada ser tão extensa.

– Nem ela te suporta mais, Breno – sorriu Juliana. – Ela só te ouviu reclamar até agora.

– Ah, ela merece ouvir coisa pior... – Então dei um suspiro. – Ju, estava pensando no quanto amar você me custa caro. Eu poderia estar em casa agora, tomando uma gelada, curtindo as férias da forma que mereço... Mas não, tô aqui, te seguindo ao fim do mundo. Literalmente.

– Quer dizer que preferia estar solteiro, é isso? – os olhos dela faiscaram.

– Nesse momento? Com certeza sim!

Ela me deu dois socos no braço esquerdo, rindo. É muito curioso como os socos de mentirinha das mulheres doem de verdade.

– Quer terminar comigo? – continuei provocando, protegendo o braço contra novas porradas.

Ela me mandou fazer algo muito indecoroso.

Embora eu realmente sentisse falta do conforto de casa, a verdade é que eu queria estar onde Juliana estivesse. Ela não só era a mulher mais esplêndida do mundo, como também era a minha companhia preferida. Então, mesmo nós estando indo agora passar as férias no lugar onde Judas perdeu as meias (porque tenho certeza que já ultrapassamos o lugar onde ele perdeu as botas), a presença de Juliana fazia a experiência valer a pena.

Íamos ficar uns dias na casa de Miranda, uma querida tia de Juliana que, durante sua infância, fora uma segunda mãe para ela. Não tinha sido nosso primeiro plano pras férias, mas depois que Juliana recebeu uma carta da tia comunicando o desejo de revê-la, decidimos adequar nossas vontades à da boa senhora.

Era uma pena, porém, que ela morasse tão longe.

– Quem aceita se mudar para um limbo desses? – perguntei, pousando o braço nos ombros de Juliana.

– Ah, eu até gosto de lugares tranquilos. Mas aqui realmente tá mais parado do que eu lembrava.

– Tem o quê, uns dez anos que você não vem pra essas bandas?

– Por aí. A última vez que visitei tia Miranda foi antes de eu entrar na faculdade.

– Ah, é verdade.

– Eu queria ter visitado ela mais vezes... – ela lamentou, melancólica. – Mas é engraçado como, depois da faculdade, nosso tempo acaba e nossas prioridades mudam... Sei que ela insistiu pra eu parar de visitá-la e focar nos estudos, mas, ainda assim... Eu devia ter voltado.

A Serra da LuzOnde histórias criam vida. Descubra agora