O começo do meu fim - Capítulo 1

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*** 1981, dia 13 de maio. ***

" Como devo começar me apresentando? Sou Perséfone, tenho 25 anos. Minha aparência? Bem, cabelos ruivos ondulados que passam até a metade da minha cintura, olhos verdes um tanto grandes e sardinhas espalhadas pelo meu nariz pequeno e empinado, tenho 1,67 de altura ( acho um tamanho ok ). Normalmente uso roupas simples, uma camiseta de botões branca e uma saia longa verde que vai até meus tornozelos, sapatos no estilo boneca pretos e meias curtas brancas. Sou formada como bióloga, sou apta para dar aulas, mas atualmente estou indo trabalhar em uma floricultura de minha nova cidade, através de uma carta de recomendação. "

" Como você é infantil ". Pensei suspirando quando fechei meu diário sob meu colo. Alonguei meu pescoço para a direita, senti meu osso estralar. Revirei os olhos comigo mesma e encostei a cabeça na janela. Olhei para o trem onde eu estava. Haviam muitos passageiros, a maioria levava consigo várias malas - provavelmente de mudança assim como eu - passageiros de varias idades e gêneros, tomei um tempo para os observar. Uma senhora dormia segurando pequenas malas em seu colo, suas roupas eram de alta costura e monocromáticas em vermelho. Atrás dela havia um homem alto, ele estava sentado de maneira relaxada em seu lugar, usava roupas extravagantes de couro, aparentemente legítimo, tinha cabelos castanhos que caiam sobre a testa, parecia inquieto. Ao lado dele, no outro extremo do trem outro homem da mesma idade, ele estava dormindo profundamente, parecia que iria cair a qualquer momento. Ele usava uma blusa de manga longa azul marinho, uma calça preta assim como seus cabelos, diferente de outros passageiros ele não parecia levar muitas malas.
Me assustei ao sentir meu corpo sair do lugar com um impacto no trem, estávamos caindo. Pude apenas ver meu diário voando pelos ares assim como o resto de todas as coisas no trem, as páginas abriram, espalhando os papéis por toda a minha visão. Minhas costas encontraram o chão com muita força. Ainda atordoada consegui proteger meu rosto do final do impacto. Pisquei algumas vezes para me trazer novamente até a realidade. Olhei ao redor, muito sangue, vi corpos presos nos destroços, gritos, pessoas chorando e xingando. Comecei a me arrastar pela janela para fora, segurando a dor no estômago de ver uma cena como aquela, porém eu imaginei que veria aquilo por ser um acidente tão feio. Passei minha saia pelos cacos de vidro no chão e puxei minhas malas, tentei de forma fracassada juntar as páginas do meu diário.
Minha atenção foi direcionada até vozes do outro lado de fora do trem. Parecia uma briga, as vozes cada vez mais altas e exaltadas. Com medo mas envolvida por curiosidade fui até uma árvore próxima - o trem havia caído em uma floresta bem fechada, ladeira abaixo em um penhasco - e me escondi atrás dela. A cena que eu vi era um tanto inédita, um homem mais velho, ruivo, muito alto e com o corpo musculoso segurava outros dois pelas golas das camisetas. De um lado o jovem de cabelos castanhos e roupas estranhas, e do outro o homem que estava dormindo no trem. Ambos os três estavam machucados, mas nada muito grave.
- Seu doente eu já disse que não fiz nada! - Disse o de azul enquanto tentava se soltar das mãos do mais velho.
- Ele tentou colocar fogo no trem! - O de cabelos castanhos gritou apontando para o primeiro.
- Já falei pros ceis para cum isso. Não confio em nenhum. - O ruivo sacudiu ambos com as mãos. - É mió prende os dois. - Ele os soltou no chão, ambos caíram sentados.
Rapidamente ele arrumou cordas e começou a amarrar ambos, os outros sobreviventes do trem, a idosa de vermelho, uma mulher mais jovem e um homem de terno estavam observando a situação de longe assim como eu. O homem forte tirou os objetos do bolsos dos dois jovens, retirou uma faca do bolso do de cabelos pretos. Agora que ele estava acordado pude reparar em seus olhos, escuros assim como os cabelos um olhar profundo e sem emoção transparente.
- Você não vai me amarrar. - Ele falou com frieza sem mover um músculo de expressão no rosto. - Já disse que sou inocente.
O ruivo deu um soco na cara dele, que o calou.
- Não prenda minhas pernas - Ele disse igualmente frio quando cuspiu sangue da boca - Eu sei andar sozinho. - Sem falar nada o homem amarrou apenas os braços do jovem atrás das costas.
O outro não parava de murmurar, mas não reclamou das amarras, então ele foi preso pelas pernas e mãos.
- É o seguinte - Gritou o ruivo jogando o moreno em seu ombro como se o peso não fosse nada. - O maquinista morreu. Vamo ter que sair procurando ajuda.
Começamos a andar, o homem carregava o outro no ombro esquerdo enquanto o outro de azul o seguia com as mãos amarradas. Segui logo atrás, acompanhada dos outros sobreviventes. A trilha que seguimos era bem irregular, cheia de galhos e plantas pelo chão, eu mal conseguia ver aonde iria colocar meus pés. Em certo momento acabei me descuidando e esbarrei para frente, bati minha bochecha contra as costas do homem na minha frente. Ele virou o rosto por cima do ombro, sem expressão novamente, nosso olhar se encontrou e consegui apenas murmurar um pedido de desculpas antes que ele pudesse se virar novamente sem nada dizer.
O moreno que estava no ombro começou a tentar se debater para correr, ele começou a gritar novamente.
- Eu tô preso, mas ele queria por fogo na gente! - Apontava com a cabeça para o de azul. Todos ali reviraram os olhos, afinal, ninguém mais havia presenciado a situação então não podíamos afirmar nada.
- Cara chato né. - O de azul afirmou.
- Concordo. - Continuei.
Ele se remecheu tanto do ombro que caiu no chão, ninguém correu atrás quando ele só entrou no mato com as mãos e pernas atadas.
- Que se dane. - O ruivo bravejou e continuou andando mais rápido.
Os restantes seguiram em silêncio, andamos por mais uns vinte minutos até que avistamos uma clareira na floresta e nela uma casa de madeira, aparentemente a muito tempo abandonada. As duas mulheres e o homem de terno não pareciam nada empolgados para entrar na casa, então pararam a alguns metros da cerca velha da casa. Quando o ruivo se afastou seguindo em frente, o de azul passou por mim, ele puxou as mãos para frente de maneira tão rápida que quase não compreendi, ele soltou as cordas sozinho, que caíram no chão atrás dele. Observei tudo em silêncio.
Andamos além da cerca, a casa tinha apenas uma porta na frente e uma janela que estava barricada, ao lado direito uma especie de jardim abandonado, vários vasos quebrados e trilhas de terra que indicavam alguma plantação. O ruivo tomou a liderança e empurrou a porta, eu não sabia se ela estava trancada ou não, a força daquele homem deveria ser absurda, ele poderia quebrar a fechadura frágil em um piscar de olhos. A primeira impressão da casa foi o cheiro, um odor absurdo que eu nunca havia sentido na vida, meu impulso na hora foi tampar o nariz e estreitar os olhos. Os dois homem não transpareceram se importar tanto com o cheiro. Entramos porta adentro.
Como era de se imaginar, por dentro a casa era igualmente simples, o primeiro cômodo era uma sala de estar com dois sofás rústicos, uma mesa de centro de madeira com vários jornais jogados por cima, ao fundo da sala haviam duas portas. E no fundo da sala era possível ver parte da cozinha. Apontei com a cabeça para lá e seguimos. Ao entrar senti o cheiro piorar no ambiente, infelizmente achamos o motivo daquilo, logo na nossa frente havia um corpo, um homem encostado na pia da cozinha, metade de seu corpo já estava decomposto, larvas rodeavam o cadáver. Não era possível reconhecer nenhum traço do rosto, já que a mandíbula estava estourada para baixo, seguindo pelo ombro até os braços, vi em sua mão uma arma, um rifle de quase um metro.
Mesmo com receio tentei puxar a arma da mão do cadáver, porém devido a rigidez cadavérica não consegui puxar com cuidado. Antes que pudesse me afastar completamente vi o rapaz de azul puxar a arma sem cuidado nenhum, a mão do corpo quase cedeu a força da puxada.
- Deixa isso comigo, relaxa. - Ele disse verificando o pente da arma, 1 bala, ele indicou com o dedo.
O ruivo estava explorando o resto da casa, decidi olhar para uma porta que antes não tínhamos visão na cozinha, abri com cuidado. Era um quarto de bebê, repleto de sangue seco no chão no no pequeno berço quebrado, quando em aproximei mais pude ouvir um barulho de algo se mexendo debaixo da pequena cama. Me afastei novamente com medo e sai do quarto.
- Tem bicho lá dentro. - Apontei aflita para o quarto. - Você tem uma arma, vai na frente. - Abri espaço para que ele passasse.
Ele entrou no quarto sem medo e olhou na cama.
- Um rato. - Olhou pra mim e sorriu de canto dos lábios com deboche.
- Qua se dane. - Senti minhas orelhas quentes de vergonha e me virei para sair da cozinha.
- Nada de bão por aqui. - Retornou o ruivo.
Decidimos os três sairmos já que não havia nada de bom na casa, porém quando abrimos a porta nos deparamos com um cena horrível. A mulher mais velha e o homem de terno haviam desaparecido, e a mulher mais jovem ainda estava ali, de pé. Ela estava com as mãos no rosto e gritando, quando tirou lentamente, vi uma das piores cenas da minha vida. Ela estava sem a pele do rosto, o rosto jorrando sangue e os olhos quase caindo para fora. Ainda gritando ela caiu no chão e começou a vomitar, saindo se sua boa saíram larvas pretas enormes, cada uma parecia ter uns 15cm.
Meu estômago embrulhou, o mesmo aconteceu com os outros dois ao meu lado, que cobriram a boca com a mão.

[ Continua... ]


My heart upside downOnde histórias criam vida. Descubra agora