Nunca acaricie um gato de rua.

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A noite estava escura. As estrelas não eram visíveis pela poluição da cidade. A lua quase não refletia a luz do sol. Ao fundo da rua, um gato preto aparecia, parcialmente iluminado pela luz do lampião do cruzamento - a única daquele caminho.

Me aproximei do pequeno animal até ficar em sua frente. Ele não se moveu, nem mesmo quando me coloquei de cócoras. Seus olhos eram do mais brilhante azul que já vi na vida. Um arrepio gelado percorreu minha espinha e detenho a mão com que o ia acariciar antes de chegar perto do bichinho. Seu olhar penetrava o meu de forma morbidamente intensa. Me levanto rapidamente, o que me faz desequilibrar e recuar dois passos. Ele não desviou o olhar do meu por um segundo desde que eu o vi, tal como eu não desviei o meu. Era como se me hipnotizasse.

Passados aparentes dois minutos naquela situação, um sono entorpecente me atinge de tal forma que caio ao chão, descansando profunda e pacificamente.

...

Acordo atordoada, com uma dor intensa em meu corpo e cabeça, acompanhada de um frio congelante. Pisco meus olhos, acostumando eles à luz, que vinha da janela (ou melhor dizendo, do buraco na pedra, grande o suficiente para entrar o gelado orvalho da manhã mas pequeno o suficiente para não caber mais que uma pessoa ali). Estava deitada em posição fetal no chão duro de concreto. Pior, estava deitada em posição fetal no chão duro de concreto completamente pelada. Me sento, sobressaltada, tapando o meu corpo como podia. Haviam mais como eu. 4 garotos e 6 garotas contando comigo. Todos pelados, gelados e confusos.

Várias perguntas começaram a surgir, em meio a soluços de choro: "Onde estamos?"; "Quem são vocês?"; "O que nos fizeram?"; "Porque estamos aqui?"; "Como viemos parar a este lugar?". As vozes se calaram assim que os passos ecoaram no corredor de escadas que davam até à cela onde percebi que estávamos.

"Acordaram? Finalmente! Achei que tinham morrido antes do tempo."

Um homem alto e musculoso, de olhos brilhantes como pedras preciosas, se colocou na frente da porta de barras de ferro trancada com um cadeado robusto e uma corrente. Nas suas mãos estavam empilhadas peças de roupa, todas cinzas. O cabelo medianamente longo, apanhado singelamente num coque meio frouxo na parte de trás da cabeça, era tão negro que parecia absorver a luz, a qual era refletida pelos olhos. A pele era tão branca que parecia porcelana. Tudo nele era atraentemente letal. Até o terno preto que envergava, sem um pingo de outra cor ou adornos de qualquer tipo.

Ao olhar para ele, lembrei do gato. Os outros pareceram ter tido o mesmo pensamento que eu.

Todos começaram a cuspir perguntas, numa mistura indignada de desespero e raiva. Ele não as responderia. Em vez disso, uma por uma, introduziu as roupas através das barras de ferro para que as pegássemos. Moletons, todos do mesmo tamanho, percebi. Com o frio que estava, ninguém questionou isso quando as atacaram como cachorros vira-lata esfomeados, jogados a pedaços de carne. Ele olhava para nós, divertido, como se de facto fossemos seus cachorros agora.

Comemos apenas um prato (um comedouro para animais) do que parecia ser mingau. Nada de banhos ou explicações. Ficámos ali até que a noite caísse. Conversámos sobre o que fazíamos antes de chegar ali. Nossos nomes, famílias, sonhos e medos. A dado ponto uns adormeceram de exaustão. Outros dormiam porque não havia grande opção. Eu não consegui dormir grande coisa, qualquer barulho já me garantia um susto e um bater forte de coração. Duas garotas:

Dakota Peggio/ Sophia Warner;

16/18 anos;

Estudante/ Ajudante na fazenda da família para conseguir pagar a faculdade;

Nunca acaricie um gato de ruaOnde histórias criam vida. Descubra agora