.

16 0 0
                                    

Desorientado, um homem acorda com o som de uma voz. "Equipe nove e equipe onze, eliminadas. Restam cinquenta e cinco participantes", ela dizia. Mas ele não ouviu. Só conseguia sentir a dor de ter passado a noite desmaiado sobre pedras. A penumbra o impedira de ver os corpos jogados atrás dele, somente seguiu a luz para fora daquele lugar.

Uma parede foi a primeira coisa que viu quando saiu, de concreto, sem acabamento, com tomada por desenhos apressados e letras indecifráveis. Colada com outras, levemente diferentes, mas que juntas pareciam ser uma coisa sem fim. Percebeu-se, então, no final de um corredor apertado e íngreme de casas que escalavam as paredes e subiam até onde podia se ver.

O homem estava cansado demais para subir aquele caminho, mas o sol estava brilhando forte onde estava, tornando o lugar muito quente e ele odiava o calor.

Não sabia o que estava fazendo naquele lugar, e nem onde estava. Conseguia ouvir, ao longe, estampidos e vozes que logo paravam, mas em alguns momentos voltavam. Teve medo.

Subindo alguns metros viu uma passagem que cruzava a que estava, era mais plana e não batia sol. Seguindo por ela chegou a um labirinto de casas, fios e cabos povoavam o céu e ruas mais largas eram preenchidas por lojas e bares.

"Quem é você?" alguém gritou. Mas ele não tinha certeza da resposta. Virou-se, um grupo de três pessoas estava se aproximando, gritavam e tinham armas apontadas para ele. Deram tiros para o alto, como aviso, ele estava no chão, estava apavorado. Levantaram sua cabeça pelos cabelos e pareciam felizes ao vê-lo, mas uma felicidade macabra, uma euforia. Duas pessoas o estavam arrastando, quando um barulho alto o fez perder os sentidos por um tempo. Ele parou de ser puxado, um homem caiu na sua frente com a cabeça ensanguentada. Outro grupo de pessoas estava lá e uma troca de tiros começou, e ele correu.

Corria por um labirinto de concreto, casas, escadas íngremes que levavam à ruas inundadas por fios e cabos suspensos, entulhos jogados por todos os cantos e corpos sobre os entulhos. Ele ainda estava sendo seguido, gritos e tiros se aproximavam cada vez mais. Entrou em uma rua estreita, e escolheu uma casa ao acaso para se abrigar. A casa fora abandonada, fotos de pessoas estavam em porta retratos nos móveis e o tapete de retalhos estava, ainda, bem alinhado. Tudo estava limpo e calmo. A voz anunciou que era meio-dia, o sol estava à pino, aquilo fez ele se lembrar do calor, e como estava fraco, cansado. Decidiu sair da pequena sala, que naquela hora estava extremamente iluminada. A casa era pequena, entrou no quarto, fechou as janelas e as cortinas, o cômodo ficou muito escuro e quando ia fechar a porta, para que não houvesse nenhuma luz, ouviu algo caindo no cômodo ao lado. Se aproximou bem devagar, a porta estava entreaberta, e ao chegar perto sentiu um suave cheiro de sangue. Ao abri-la, havia uma mulher no chão, suas duas pernas estavam muito feridas, não conseguia se mover, mas estava com uma arma apontada para ele. Quando ela o viu, pareceu reconhecê-lo e uma expressão de medo surgiu em seu rosto, ela apertou o gatilho repetidas vezes, mas estava sem munição. Então começou a gritar.

Gritava "ele está aqui", olhava para ele e dizia que preferia morrer por pessoas de verdade e continuava a gritar.

Ele ficou muito confuso e, depois de um tempo, quando decidiu questionar a mulher, a porta da sala foi arrombada. Assustado, correu para o quarto e fechou a porta.

Pessoas entraram correndo na casa e os gritos de "No quarto! Está no quarto!" foram silenciados com um estrondo forte de um tiro.

Estava prestes a sair pela janela quando a porta foi aberta. Com muita cautela um homem adentrou o quarto, tinha uma faca na mão e um sorriso nos lábios.

— Não vou te matar, vem comigo bem mansinho — disse o homem. — Vou te levar lá vivo, ganhar esse negócio e ainda um extra bem bom.

Ele estava escondido atrás do armário, a pequena passagem que a cama fazia impedia que o homem se movesse mais rápido. Ele sentia que o homem se aproximava, parecia sentir sua euforia, sua ganância e seu medo. Em um ato desesperado, golpeou o homem na cabeça, jogou o braço desajeitada com toda a força que tinha e saiu correndo em direção à janela, conseguiu abrir e sair por ela, ficou aliviado que ninguém havia o impedido. Se tivesse olhado para trás, veria o porquê. O homem com a faca havia tido seu pescoço quebrado. Mas não olhou, apenas fugiu.

Havia corrido até se perder completamente, sua visão estava turva e escurecendo, avistou um terreno baldio que o mato não havia sido cortado, se jogou lá e desmaiou.

                                                                                                  .

Ele acordou com uma chuva fina que tinha começado. Toda a poeira havia se transformado em barro e um corpo estava em frente ao terreno.

Com o tempo nublado era muito difícil dizer quanto tempo havia se passado. Observou que o corpo estava ali, pareciam ter horas, estava inchado e fluidos saiam pelos seus orifícios, e já começara a cheirar mal. Sentiu repulsa, mas mesmo assim se aproximou. Antes, queria saber o que estava acontecendo, o porquê de estar ali e onde estava, o porquê as pessoas estavam se matando e o motivo de parecerem odiá-lo.

Agora, só queria saciar sua fome. não via outra opção, já estava ficando louco de fome. Levantou o braço do cadáver e com os dentes rasgou a pele, já quase não havia sangue e a carne estava apodrecendo. O gosto era horrível, mas tinha fome. Rasgou a barriga e comeu os órgãos, os olhos e a língua. Depois de dilacerar o corpo a fome tinha passado, e a sanidade, voltado. Percebeu o que tinha feito, se desesperou, chorou, enfiou os dedos na garganta para tentar desfazer aquilo. Mas já era tarde.

                                                                                                  .

Guiados pelos gritos, duas pessoas o encontraram. Eram as mesmas pessoas que estavam na casa e tiveram seu líder morto. Viram um cadáver e um homem ao lado, sujo com seus restos. Tiveram certeza de quem era e um deles começou a atirar. E o homem, que não mais parecia homem, saltou para trás, escalou um muro e se escondeu. Era rápido.

Mesmo sabendo, agora, o motivo do ataque, teve raiva.

O único barulho que havia era o da chuva. Mas ele sentia o cheiro dos outros, sabia que ainda estavam ali. Estava em um terreno cercado por um muro de concreto e dentro do terreno haviam muitas pedras, tijolos e destroços.

As duas pessoas se aproximavam cada vez mais do terreno, com armas apontadas, preparadas para qualquer movimento. Ouviram, então, o som de corrida sobre pedras e um salto.

Uma silhueta passou por cima do muro e um tijolo foi arremessado contra eles, errou por muito, pegando em um carro que estava estacionado do outro lado da rua, estilhaçando agressivamente a janela. Não podiam ser acertados por aquilo, se espalharam e se esconderam.

A coisa passou correndo e saltou no telhado de uma casa, estava chovendo pouco, mas mesmo assim era difícil de enxergá-lo. Pulava de um telhado para outro e se escondia. Uma das pessoas correu para o muro da casa em que ele estava. Fez sinal para a outra, que, quando saiu de trás da caçamba amarela e enferrujada, foi atingida por uma chuva de pequenas pedras. A maioria acertou na altura das coxas, entraram alguns centímetros e a fazendo cair no chão de dor e ao começar a se rastejar para perto da parede, um pedaço de concreto do tamanho de um punho tirou parte de sua cabeça.

Ao ver a cena, o outro, entrou em desespero. Saiu de seu abrigo e começou a atirar a esmo para o telhado, gritava e atirava. Até que ficou sem munição. Pegou a enorme faca de combate e gritou mais ainda, gritou para que viesse, não o entregaria vivo, iria morrer ali mesmo.

Estava no meio da rua quando, da esquina, ele saiu. Não se movia mais como humano, não parecia como um e ao se aproximar, correndo, teve certeza, não era mais um humano. Mas já era tarde.

Os dois corpos foram devorados, e não eram como o outro, eram deliciosos.

Quanto mais ele comia, menos homem ele ficava. Os dentes eram presas. As unhas, garras; o rosto estava desfigurado e os olhos não tinham alma.

A chuva parou e o último raio de sol se foi. E a voz anunciava que a caçada se iniciara.

A noite foi como as outras, uma chacina. O experimento era um sucesso. Os participantes estavam sendo caçados e tinham certeza que, daquela vez, nenhum iria sobrar.

Então, desorientado, um homem acorda com o som de uma voz.


Experimento 6.Onde histórias criam vida. Descubra agora