1. A garota da língua de serpente

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Lizzie, sexta-feira - 15 de Junho.

- Não é possível! Quais as possibilidades dele ser o culpado pelo crime?? - disse numa expressão perplexa assim que, por fim, acabei de ler a lógica explicação de Sherlock Holmes para com o caso de homicídio. Lógico, sempre, nunca emotivo; Assim era Sherlock; Sua explicação era sempre tão espetacularmente franca, concluída com um toque de orgulho. Para quem ouvia parecia tão simples, ou ao menos assim transparência o detetive.

Antes que pudesse virar a página, uma brisa forte de inverno passou por mim como uma rajada. Apesar de a presença constante do sol, ainda pude sentir o ar gélido transpondo meu casaco de lã repleto de furinhos e minha calça jeans justa, nada adequada para o clima.

Os galhos cumpridos do Ipê Amarelo acima de mim um tanto chaqualharam, mesmo que pouco em comparação a relva e as flores a minha volta.

Tentei impedir que o vento rasgasse as páginas do meu livro, contudo, com o forte balanço das folhas de papel, acabei perdendo a parte em que estava. Com um suspiro, e a aquietação da brisa, tentei retomar a leitura.

- Lendo ao ar livre?

Assustei-me ao ouvir um timbre rouco masculino dirigindo-se a mim.

Um senhor de idade, apoiado em uma bengala e vestido formalmente me encarava. Um sorriso tristonho formava-se nos cantos de seus lábios, como se a muito procurasse uma companhia com quem conversar.

- Sim, sim, meu senhor! Gosto de ler ao ar livre - falei, abrindo um sorriso.

- Mesmo com o frio que está fazendo?

Assenti, decididamente.

- Na verdade gosto de estar sempre aqui. A paz que esse Ipê transmite compensa o desconforto do clima.

O velho concordou lentamente e após um minuto de silêncio voltou a falar, analisando meu livro:

- Se me permite dizer, quando se trata de tal gênero literário, considero Agatha Christie uma escolha melhor - seu tom era decisivo.

- Óh, Agatha Christie! Ela é mesmo uma escritora de renome. Quando eu era pequena, passava horas lendo seus títulos! Hercule Poirot era menos fascinante que Sherlock Holmes, mas a trama envolta nos mistérios era tão bem retratada que era impossível abandonar qualquer leitura... - sorri ao me lembrar de minha coleção interminável de livros da autora.

- Ah, então já conhece Hercule Poirot! - ele pareceu orgulhoso - Acho, então, que pensamos o mesmo, minha querida! Sempre achei este personagem meio sem sal em comparação ao detetive Holmes e seu parceiro Watson, mas Agatha escreve de maneira tão cativante... Creio que não saiba explicar bem - ele suspirou, pensativo.

- Acho que passei a ler Sherlock para tentar algo novo. Gosto de romance policial, não tem jeito - levantei minhas mãos para o alto, fingindo me render - Mas queria experimentar uma leitura exótica. E o Sherlock é claramente exótico - sorri para o livro.

- Hunf! Exótico, é? Eu diria que está mais para arrogante - ele arqueou uma sombrancelha grossa, desafiando-me a discordar, mas curioso com o que eu diria.

Sem conseguir me segurar, soltei um risinho.

- Com certeza! Diria que o Sherlock é o personagem mais arrogante e egoísta que eu já conheci! - repensei - Bom, um dos, é claro. Mas, mesmo sendo orgulhoso, também é sensato e acertivo. Tem certeza de tudo o que fala. Sabe o que é útil ou inútil em sua vida. Despreza a insegurança e se concentra no que é bom: investigação (e coloca bom nisso!). Eu diria que tudo isso faz parte da sua personalidade excêntrica. Então, já que a arrogância é suprida por outras boas qualidades, não me incomodo. Posso enxergar isso como parte do charme do personagem. E bom, em todo caso, o Watson está sempre ao seu lado para ampara-lo em seus exageros...

O Singular e Seu AprendizOnde histórias criam vida. Descubra agora