2. Os misterios entre rosas vermelhas

22 1 0
                                    

A primeira coisa que ouvi foram bolhas de ar estourando. Abri os olhos. Eu estava dentro de uma bolha. Me encontrava nas profundezas de um lago iluminado pela luz do sol. Não era possível ver muito além da areia branca repleta de corais coloridos e peixes que pareciam flutuar nas águas de um azul profundo. Estava tido muito pacífico, mas então a bolha finalmente estourou. Abri os olhos. Eu agora estava sentada na banqueta de um piano. A água não danificava o intrumento e não adentrava meus pulmões. Conseguia sentir sua densidade, mas isso em nada deixava meus movimentos mais lentos. Apertei a nota "lá", o som saía tranquilamente. Uma partitura aparentemente simples surgiu em minha frente. Meu vestido branco ondulava com o passar de peixes dourados a minha volta.

"Toque a música", era o que o título dizia. Antes que eu pudesse obedecer as instruções, notei uma ampulheta em miniatura ao lado da partitura. Uma garota de vestes brancas se debatia dentro dela, como se quisesse sair desesperadamente. Um líquido vermelho caía lentamente para a parte de baixo do objeto, inundando o ambiente aos poucos. A garota me parecia estranhamente familiar. Antes que eu pudesse fazer algo a respeito, as notas da partitura começaram a brilhar em dourado e minhas mãos passaram a toca-las desesperadamente. A cada nota pressionada, a anterior se dissolvia no papel, em um lampejo dourado. Em seu lugar, letras prateadas passavam a aparecer. A melodia era rápida e intensa, mas por algum motivo, a medida que avançava minhas mãos no piano, acabava-me esquecendo das notas anteriores.

Assim que toquei a última nota, a mensagem se tornou completa. As letras diziam em uma caligrafia elegante: "O tempo está acabando". Meus olhos desviaram-se para a garota na ampulheta, e ela me encarou com uma expressão de terror. Logo a reconheci. Os cabelos castanhos ondulados, os olhos esverdeados e a pele branca. Era eu. A garota na ampulheta era eu mesma. A última gosta do líquido vermelho caiu.

Pisquei. Estava dentro da ampulheta, me vendo tocar piano. Comecei a bater no vidro, tentando sair daquela prisão de vidro. Uma gota vermelha caiu em minha cabeça. Era sangue. O líquido vermelho era sangue. Chocada, deixei-me cair de joelhos em meio ao líquido espesso, manchando meu vestido em um tom avermelhado. Olhei para a minha versão maior, encarando-me, tentei me aproximar, mas então o vidro ficou fosco. Toquei na parede e uma onda circular espalhou-se pela extensão de vidro. Era como se eu estivesse tocando na superfície de um lago. Estendi minha mão para tocar novamente, mas, abruptamente, outra surgiu e agarrou meu braço com força, puxando-me para fora do... Lago?

Submergi para fora de um lago, completamente seca. Meu vestido impecávelmente branco. Meus pés descalços flutuavam acima das águas cristalinas, o lago em que estava aprisionada. Não estava mais sozinha. O dono da mão que me libertara era um homem encapuzado de pele pálida, como que um fantasma. Um manto preto caía-lhe sobre o corpo, ajustando-se perfeitamente em seus ombros largos. Em sua mão, alguns anéis de rubi e esmeralda refletiam seu brilho por entre os raios de sol, estes que atravessados pelas árvores que nos cercavam.

Gostaria de enchergar por debaixo de seu capuz, mas só o que me era visível era o contorno definido de seu maxilar. Este pequeno traço, que sutilmente oxilou para baixo, pode me dar a pista de que estava sorrindo.

- Peço desculpas pela entrada dramática em sua mente, minha querida, as vezes, podemos ser um pouco invasivos de mais... - sua voz era grave e levemente rouca.

Fiz uma careta. Pensei em lhe perguntar o que fazia aqui, dentro da minha cabeça, mas deixei que terminasse seu raciocínio.

- Contudo, não pude deixar de notar, foi a segunda a fazer contato com meu mestre após vários anos de discrição e, é claro, também não pude deixar passar a oportunidade de brincar um pouco com uma garotinha tão inocente - ele fez uma reverência.

- Inocente? - franzi o cenho.

O homem retirou o capuz e o manto que vestia, revelando uma armadura elegante feita de cobre escuro, que se adequava perfeitamente a seu corpo musculoso, como um cavalheiro fantasma. Levantou-se da brusca reverência, pondo-se diante de mim. Prendi a respiração. Seu rosto era maravilhosamente lindo. A pele branca contrastava com os lábios cor de sangue e os cabelos pretos que caiam-lhe sobre os ombros. Os olhos brilhavam como pedras de obsidiana, emanando uma chama crepitante e divertidamente medonha de suas irís. Suas feições harmônicas reluziam de ansiedade, como se a qualquer momento algo a nossa frente fosse explodir. Tentei regular o movimento do meu coração, respirando fundo, mas o homem logo sorriu apaticanente, levando minha mão carinhosamente até a ponta de seus lábios. O leve beijo fez cada músculo do meu corpo se retesar.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Sep 29 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O Singular e Seu AprendizOnde histórias criam vida. Descubra agora