1 - Casar? Por quê?

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1952 DC


                          Não há nada mais triste que ser mulher nessa época. Livre, dona de si e mesmo que com dinheiro, uma mulher não pode fazer realmente o que quer. Amanda sabe disso e não se ilude, mas resiste, vai em frente. Não é uma mulher de se abalar facilmente. Conhecida por sua arte, produtora de espetáculos teatrais, já escreveu até para os filhos do presidente, sabe que mesmo isso não lhe dá nenhuma garantia de vida realmente livre.

                    Principalmente depois que uma dessas empresas de "jornalismo amarelo" resolveu que ela é amante de um figurão poderoso e solteiro. E ela sem mesmo saber que era vítima de maldade alheia, foi despertada pelo tio. Tio esse que ela e todos sabem orbita perto dela buscando a oportunidade de tirá-la do caminho e usufruir os bens que o cunhado deixou para sua única herdeira.

                    Mandy despertou com o chamado carinhoso do tio. Em sua mente, como sempre acontece quando o vê, veio a imagem constante de um bicho sorrateiro a sibilar sua falsa bondade. A tia-avó, que vive no campo a quer ver, tem saudades, sente-se adoentada.

                 A jovem desperta de uma vez, ajeitando os fios ruivos que constantemente alguém sugere pintar de preto ou castanhos; "Mandinha, as pintas dá para esconder com pó de arroz, já esse cabelo denuncia sua origem, amiga". E ela não se importa.

                Nunca entendeu porque as pessoas a reconhecem como judia justamente por seus traços. Não que não seja descendente do patriarca Israel. E ela tem orgulho de suas raízes. Mas, não há muitos judeus ruivos e por isso ela se admira da associação imediata. Não usa o nome judeu, sua família aboliu na época da Inquisição. Sim, seus antepassados viveram a situação terrível de novos cristãos, em que declarar-se judeu era uma temeridade. Ali sim, muitos esqueceram suas origens para permanecer vivos.

                Tomou o suco que o tio trazia, sob os olhares arredios dos empregados da casa. A mala já estava pronta, ela tinha planos de passar uns dias na praia com o namorado. Mal teve tempo de deixar um recado escrito, o tio parecia querer evitar que ela falasse com o pessoal de serviço. Mas esnobe que ele era, ela entendeu e se despediu. Um "Deus lhe proteja" a fez olhar para trás, mas o tio a apressou e ela seguiu para o carro.

               O veículo tomou o caminho normal e a jovem abriu o livro que trazia na bolsa de mão. Embora a sensação de insegurança que tinha quando estava só com o tio, teimava em pairar no ar. Por qual motivo ele não trouxera a esposa?

               A viagem transcorreu bem, porém, em determinado instante sentiu um estranhamento injustificado fez ela tirar os olhos do livro e reconhecer que o caminho não era mais o da casa de campo. Mas o sono que há muito vinha tentando golpeá-la a impediu de falar, suas palavras morreram com a dúvida que nasceu de repente: "Para onde estavam indo?"

No templo.

               - Não acredito que o senhor não vá poder nos ajudar, padre. O senhor deve um casamento para meu irmão!

               "Alguém deveria colocar juízo na cabeça dessa menina". - pensava o homem de fé. Toda a cidade sabia que a noiva do irmão fugiu na hora do sim e a culpa não era dele. Mas, naquele momento de desespero, Virgínia estava ali, nervosa, exigindo uma solução para algo que ele não entendia. A outra jovem que acompanhava os demais, disse à moça:

               - Dona Virgínia, conte tudo ao padreco e ele vai entender que é questão de vida ou morte.

             O homem revirou os olhos. Quanto exagero! Agora, casar um homem que há muito se dizia contrário ao matrimônio era coisa de vida ou morte. Desde quando! E a jovem, que parecia ter saído correndo de casa e ainda trazia posto um avental, em que torcia as mãos nervosas, dirigiu-se a ele:

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