Relatos de uma esquecida

30/07/2022

30/07/2022

Olhei em volta, as 21:13, para a bagunça que estava meu -pequeno- apartamento.

Cobertas no chão, mais de quatro copos sujos em cima da escrivaninha, papeis espalhados, a pia cheia de louça, minha internet que não pega, a roupa que tenho que colocar para lavar. A única luz que ilumina todo o espaço é a da tela do meu notebook, que estava em brilho máximo.

-Que inferno. – Suspirei ainda olhando para a bagunça em volta, sem um pingo de esperança. A última vez que eu lavei meu cabelo foi há dois dias e isso também está me deixando irritada. A sensação de estar com o cabelo sujo(mesmo que não tenha saído de casa desde quinta- hoje é sábado-) me deixa puta da vida.

Ou seria inquieta?

Não sei.

...

Minha memória está piorando. Não sei se deveria contar isso para alguém, ou procurar um médico. Muitas vezes olho ao redor e não sei que dia é, ou onde eu estou.

Não me lembro de nada das aulas da faculdade.

Antes eu até conseguia tirar notas boas apesar de não entender nada, mas isso não está mais sendo possível. Acho que vou reprovar novamente em Cálculo I.

O que é idiotice, já que quando reprovei foi por falta, o que me deixa furiosa, porém agora simplesmente não sei mais o que eu estou fazendo. Não entendo mais nada, não me lembro de quase nada.

Está ficando difícil.

Terei uma prova na terça, de outra matéria, e a probabilidade de ir mal nela também é alta.

Não me lembro de nada das aulas.

Aquele "r" é de vetor, mas eu deveria multiplica-lo também? Se não tivesse, ele não faria diferença na equação, mas ele faz.

Mas ninguém multiplica ele.

Ou será que multiplica?

-Que saco.- eu olho para o meu guarda-roupa, entulhado de roupas e totalmente desorganizado.

Eu organizei ontem.

Eu acho. Na verdade, não me lembro.

Eu tenho que lavar o banheiro e organizar minha mala, pois vou ir para a casa dos meus pais para as férias que começam- eu acho que- nessa semana.

Não sei se deveria continuar no curso de física. Tudo indica que não é pra mim, mas eu não consigo me imaginar fazendo qualquer outra coisa. Já faz quase 15 anos que física é tudo o que eu quero.

Eu deveria realmente desistir?

Quando eu entrei na faculdade, me falaram que não combinava comigo, mesmo eu tendo perseguido isso desde que tinha 7 anos.

Me falaram que pensavam que eu era de humanas ou que eu deveria fazer moda ou que eu deveria fazer dança.

Eu fiz ballet por quase a mesma quantidade de tempo que eu fiz luta, e a luta sempre foi meu esporte favorito. Há anos eu detesto ballet, mas todas as vezes me associam com ele, mesmo eu dizendo que eu detesto ballet.

Não me ouvem.

Ano após ano, ninguém me escuta.

Até a minha psicóloga só falava dela mesma. Não é atoa que não contratei mais ela.

Eu sinceramente não queria saber sobre seu tempo na Inglaterra, e quis pular no seu pescoço quando você me interrompeu pela sétima vez em trinta e dois minutos.

Eu. Detesto. Ser. Interrompida.

Quando você me interrompeu falando que eu tinha "vivido errado", eu quis dar risada. Sinceramente? O que isso quer dizer? Pelo que você falou, também viveu errado, pelo jeito que conseguiu fazer seus filhos te odiarem, apesar de você se considerar perfeita. Eu deveria ter te denunciado. Não quero saber das suas relações muito menos da sua vida. Não to te pagando pra ouvir sobre a sua vida.

Sabe o que é mais engraçado? Eu sei sobre a sua vida e nem sequer me lembro do seu nome.

...

Não sei se isso fez sentido.

Estou irritada, de novo.

Nesses momentos, eu gostaria de não ter ido morar em uma cidade diferente da cidade dos meus pais, já que é onde eles moram que tem o meu Starbucks favorito.

E minha barista favorita.

Sei que parece clichê, esse lance de Starbucks etc, mas o Starbucks é realmente meu lugar favorito. Eu só tomo chocolate quente ou o chocolate Iced sem chantilly, que é uma maneira chique de falar chocolate gelado, com gelo e só. Como eu me inscrevi no programa de pontos deles, sempre ganho várias estrelas e consigo comer de graça lá, e ainda tem a internet "de graça", que eles te dão o código e você pode acessar por uma hora e meia. Muita gente fala que é caro, mas para mim vale a pena, já que lá eu pago 15 reais por um venti de uns 500ml e em outros lugares eu pago pelo menos uns 20 reais por 180ml~200ml. E a qualidade de outros lugares é simplesmente muito pior que a do Starbucks.

E eu ainda posso ver a barista que eu tenho um super crush, então é uma situação win-win para mim.

A gente se chama por apelidos e ela decorou meu pedido há muito tempo, inclusive acha estranho se eu não peço o meu queridíssimo pedaço de red velvet.

Eu acho ela uma gracinha, sério.

E na cidade dos meus pais também tem três pessoas que eu gosto muito:

Um loirinho que eu tenho um crush, que eu carinhosamente apelidei de LQ;

Uma outra crush que também é uma das minhas melhores amigas, a TT;

Minha outra melhor amiga que é uma das pessoas mais inteligentes e lindas que eu já vi, e uma das que eu mais admiro, a SL.

E claro, também tem meu grupo de melhores amigas, de outras épocas(que não inclui a TT e nem a SL) e no total nós somos em 7. Mas eu não me sinto mais tão próxima delas. Amo elas, há muito tempo, e vou sempre considerá-las minhas melhores amigas, mas sinceramente...

Eu não sei nada sobre elas.

Eu sei onde elas moram(nem todas, na verdade), e sei o nome dos namorados delas. Mas sinceramente... sinto que é só isso.

Não sei o que daria de presente nos aniversários nem o que eu serviria de café da manhã(uma delas é vegetariana, então eu tenho uma ideia do que servir pra ela, mas para as outras... não sei), se outra pessoa pedisse a minha ajuda para comprar um presente, talvez eu consiga ajudar, mas não é com tanta certeza assim. Não sei que música elas gostam de ouvir e eu sei que elas tem o grupo delas de amigos, um grupo que eu não faço parte, principalmente por morar longe.

Isso é tudo o que eu sei e sinceramente, não sei o que fazer.

Me sinto envergonhada por ser assim.

Não sei se eu deveria fazer algo, na verdade.

...

Acabei de receber uma mensagem do meu grupo de astronomia. Nós normalmente fazemos observações abertas ao público com telescópios, e tem sido incrível, principalmente por eu estar vivenciando minha área de estudos mais querida e que é a área que eu quero me especializar(Astronomia/astrofísica). Mas ultimamente tem sido difícil de continuar e eu sinto que quero sair do grupo a toda hora, que eu deveria desistir e nunca mais sair da minha cama, mas não quero deixar meus amigos decepcionados.

Na verdade, eu não quero me decepcionar. E eu sei que isso vai acontecer se eu sair, então eu continuo.

Até quando isso vai durar?

Não sei se alguma coisa disso fez sentido.

Está tudo uma bagunça: minha casa, minhas memórias, minha vida acadêmica.

Não sei o que fazer.

Um abraço,

De uma estudante falida, cansada e esquecida.

Ariadne.