Não faço ideia de como começar isto...mas vamos lá, o meu nome é Felicia. Sortuda por definição, alegre e bem-sucedida. Sou a mais nova de seis filhos: Anthony, Bruce, Carter, David e Eric. Os dois primeiros já saíram de casa e só os vemos em dias especiais ou jantares de domingo já que Anthony está terminando a faculdade de medicina e Bruce está no segundo ano de direito. Nossa mãe tem muito orgulho neles. Ela tem orgulho em todos nós, mas sua expressão muda quando lhe perguntam sobre eles dois. Ou sobre mim. Talvez por ter sido a única menina a nascer depois de cinco homens. Pouco depois de nascer, toda a casa foi decorada com seis vasos de seis lírios brancos (que foram sendo substituídos) e um número 6 de gesso colorido adorna a entrada. Esse número tem uma grande simbologia para nós, mas em especial para nossa mãe.
Hoje foi o dia antes do meu aniversário. Passei ele fazendo bolos com minha mãe enquanto meus irmãos decoravam o jardim e a sala. Era algo simples, feito apenas para a família, visto que não tenho grandes amizades na escola, pelo menos, não o suficiente para os querer ver no meu dia especial. Não que eu esteja dizendo que sou boa demais para eles, mas prefiro que ninguém jogue bolo na minha cara, faça piadas de mau gosto sobre o quanto os meus irmãos são bonitos e algumas insinuações menos próprias sobre a minha pessoa e eles, remexa a casa de alto a baixo e ainda coma tudo o que nos deu tanto trabalho a fazer para depois ir embora e divulgar o quanto foi infantil e horrível. Sim, aconteceu. E jurei que nunca mais faria uma festa assim de novo. Só não deixei de celebrar porque isso também é importante para minha mãe. É a celebração de um sonho que ela cumpriu e não lhe tiraria isso.
Estava prestes a cair no sono quando sinto uma presença na porta do meu quarto. Me sento na cama para ver minha mãe parada perto da ombreira com um sorriso que, daquele ângulo, me fez arrepiar a espinha.
"Mãe?" Chamei, confusa. Ela não se mexeu.
Estranhei não obter resposta. Ia acender a luz quando ela finalmente se mexeu e se aproximou de mim. Passou gentilmente sua mão pelo meu rosto e sentou ao meu lado. A luz da lua emoldurava sua silhueta em algo que seria lindo, se não fosse assustador.
"Precisamos ir em um lugar especial, meu amor." Voltou a passar a mão no meu rosto sonolento.
"Agora? Onde?" Estranhei. Ela nunca me leva em passeios tão tarde. Eram 22H27. Ela odeia, abomina, viagens de noite.
"Vai descobrir quando chegarmos. É surpresa."
Não fiz perguntas. Decidi estupidamente ignorar meus instintos e me levantar, seguindo ela para o carro. Vestia apenas um pijama fino. O ar gélido me fez arrepiar inteira e abraçar meu próprio corpo. Ela disse que não precisaria me preocupar com a roupa, mesmo que ela estivesse bem vestida. Ao me ver arrepiada, ligou o ar-condicionado. Ela não precisava dele, mas esse gesto foi por mim. Tudo o que ela fazia era por mim e por meus irmãos. Não sei como me passou pela mente desconfiar dela, mesmo que pouco. Era absurdo, ela era minha mãe. Sorri para ela num "Obrigada" silencioso. Ela apenas retribuiu o sorriso e continuou de olhos na estrada. Olhei pela janela, enquanto a cidade ficava para trás, engolida pela floresta densa. Ergui os olhos para a lua, totalmente cheia. Desde que me conheço por gente que gosto de a observar, especialmente assim, grande e redonda. Lutei contra o sono o mais que pude, pela curiosidade mas eventualmente, a luz da lua, o barulho do carro e o sorriso caloroso da minha mãe me embalaram até perder a consciência.
Acordei com o som do travão de mão sendo puxado e o carro parando. Havíamos chegado. 23H42. Esfreguei os olhos e observei ao redor. Não reconhecia o lugar. A minha mãe saiu do carro e eu segui ela para perto da cabana de madeira. Por muito bonita e rústica que fosse, parecia ter algo estranho. Não conseguia perceber o que era, mas afastei esses pensamentos de mim. Observei minha mãe subir os três degraus do alpendre. O vento sibilante ainda soprava, mas as árvores protegiam nós duas do frio. Imitei seus passos e parámos na frente da porta entreaberta. Imaginei quem seria o idoso senil o suficiente para se esquecer da porta assim, mas imagino que não faça grande diferença já que este lugar é no meio do nada. Parecia perdida no mundo. Senti a mão dela alcançar a minha e nos guiar para dentro da cabana. O interior era quente, o que me fez parar de tremer de frio, mas não tirou o temor que me fazia acelerar o coração. Em todas as paredes existiam cabeças de animais empalhados, como troféus. Crânios estavam espalhados pelo cómodo. Não queria saber de que animais eram, mas sabia que eram verdadeiros. Devia ter sido um bom caçador. A cada minuto me sinto mais confusa sobre porque me trouxe aqui.
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Metamorphosis (PT/BR)
HorrorAté que ponto é válido viver em prol de outra pessoa? O quanto vale a pena desistir de nós para fazer alguém feliz? Fingir uma vida é diferente de ter de viver um fingimento. Mesmo que esse fingimento se torne uma realidade. Mesmo que esse fingiment...