Sexta-feira 13

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   Não sei bem como começar, já perdi as contas de quantas vezes já contei essa história e quantas vezes já zombaram de mim por conta dela. Sinto que chegou a hora de trazê-la à tona novamente. Lembro-me exatamente bem de cada detalhe daquele pavoroso dia.

   Era sexta-feira, acordei cinco e dez da manhã, minha rotina acabava comigo. Sempre acordava exausta, sem vontade de levantar da cama, com meu corpo pesado e meus olhos quase fechando. Entrei no chuveiro e deixei as gotas d'água caírem no meu corpo. A sensação da água quente em contato com a minha pele amenizava o cansaço excessivo do meu corpo. Odiava ir para a escola, crianças gritando e toneladas de matérias que eram cuspidas nos alunos dia após dia, tudo isso me destruíam aos poucos.

  Terminei de me arrumar e fui em direção ao ponto onde esperava o ônibus e, como de costume, o motorista estava atrasado. Cinco minutos não parecem muita coisa, mas acreditem, eles fazem a diferença. O ônibus chegou e eu entrei, ainda não estava preparada para os próximos quarenta e cinco minutos com crianças e adolescentes baderneiros, que gritavam e riam em um tom desnecessariamente alto. Minha cabeça girava, não paravam de gritar. Dei graças a Deus por chegar na escola e xinguei mentalmente o motorista por parar o ônibus tão longe do portão. Não me julguem, quando não se sente suas pernas, míseros quarenta metros parecem uma ida à China.

   Desci daquela lata velha e andei em direção a escola, aquela maldita fossa ainda estava aberta, aquilo era coisa para um aluno se desequilibrar e cair lá dentro. A escola não ia fazer nada a respeito, não até algo acontecer.

   Dito e feito, aconteceu!

  Quando cruzei o portão da escola, meia dúzia de crianças entraram correndo, uma delas se esbarrou em mim e eu caí. Não sou a melhor na natação, mas tentei por tudo nadar de volta a superfície. Quanto mais eu nadava, mais longe ficava. Meu corpo estava mais cansado do que quando acordei e meu peito doía pela falta de oxigênio. Meus olhos começaram a se fechar e meu corpo parou de lutar, senti mãos me agarrando, mas era tarde, eu apaguei.

   Acordei com meu nariz queimando e a cabeça latejando. Demorei para reconhecer onde estava, o local era sujo e degradado. Olhei para a parede e então reconheci, era a rodoviária. Não fazia ideia de como fui parar ali ou de que horas eram. Tentei e me levantei, olhei para os lados novamente e avistei uma mulher de costas. Neste momento, já estava assustada e confusa, tirei forças do meu interior e decidi questioná-la sobre o horário. Assim que a toquei, ela se virou e disse que eu não deveria estar ali, que aquele não era meu lugar. Aos gritos, me mandou entrar no ônibus e voltar para casa. Meu coração palpitava, corri para fora e tudo o que via era uma cidade vazia. O céu estava escuro, as ruas fediam e não havia movimento algum... Ou era o que eu achava.

   Caminhei em direção a escola, não era um percurso muito longo. Meu corpo se arrepiava a cada passo que eu dava. Havia um pequeno grupo de pessoas em frente a agropecuária, tentei-me em fazer contato, mas logo mudei de ideia. Seus olhos eram negros, suas peles eram extremamente pálidas e no rosto possuíam um sorriso macabro. Andei apressadamente, passando por eles e, por precaução, decidi olhar para trás. Ao perceber que o grupo estava me seguindo, eu corri.

   Péssima ideia!

   Aquele bando me caçava e meu medo aumentava. Meu peito queimava e o ar quase não chegava aos meus pulmões. Eu corria como se minha vida dependesse daquilo e realmente dependia. Minha cabeça estava a mil, pensamentos negativos passavam e repassavam por ela, chegar na praça me encheu de esperanças, que logo se foram quando tropecei em meus pés e caí.

"MERDA!!!"

   Gritei enquanto olhava para trás, o grupo se aproximava. Com os olhos cheios de lágrimas, tentei me levantar o mais rápido que pude, mas era tarde. Eles chegaram até mim, seguraram minhas pernas e meus braços. Enquanto acariciava meus cabelos, um senhor de aproximadamente sessenta anos sussurrou em meu ouvido:

"Seu tempo está acabando, menina. Logo voltarás para casa. Você tem que voltar para casa!"

   Em tentativas frustadas, me debatia a fim de me soltar. Meu ânimo acabou, não restava forças para lutar, até que finalmente aceitei que aquele seria o meu fim, fechei meus olhos e me entreguei.

   Chorando, senti meu corpo ser arremessado e atingir a água e, mais uma vez, me observei na mesma situação, as mesmas tentativas sem sucesso de sair de lá. Minha visão escurecia e a água inundava meus pulmões, não poderia ser, por que comigo? Por que de novo? Senti meu corpo ser puxado para fora, a pressão das mãos empurrando meu peito indicava que estavam tentando me reanimar, isso fez com que eu abrisse meus olhos e então percebi que lá estavam os bombeiros, rodeados por crianças curiosas e alguns professores. Parte da multidão tinha um semblante de preocupação e parte estampava um riso cruel no rosto.

   Após contar toda a história, pessoas de diversas turmas vinham tirar sarro de mim. Estava farta disso tudo. Comecei a mentir para minha mãe e parei de ir à escola. Minha mente ainda me atormentava, mandando-me lembranças do dia.

   Não pode ter sido um sonho, não pode ser relacionado ao medo. Aquilo aconteceu! Aquilo realmente aconteceu! E é por isso que estou aqui hoje, é por isso que estou escrevendo esta carta. Mamãe, sei que quem encontrará meu corpo, será a senhora, perdoe-me. Mas por favor, não me culpe, estou cansada de conviver com esse medo, com essas lembranças, isso tudo dói!

   Culpe eles! Culpe os que me perseguiram, culpe os que zombaram de mim e, acima de tudo, culpe os que desacreditaram da minha experiência!

   É aqui que me despeço. Felizmente, minha história chegou ao fim. Independente de tudo, eu te amo. Adeus! 

   Atenciosamente, Lara.

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