Para mim, o melhor horário do dia é o final da tarde, esse crepúsculo diário sempre captura minha atenção. O laranja se misturando com o escuro da noite gera uma vista muito linda, que se acompanhada de um ótimo chá, me traz um êxtase de outro mundo. E a janela é minha melhor amiga, através dela que sinto esse prazer diário, junto com a companhia da televisão. Esses momentos de solitude são meus rituais que me ajudam a continuar firme nessa vida estranha.
Olhando para o céu, noto uma estranha luz caindo em direção ao horizonte e o barulho do jornal logo captura minha atenção.— Supostos meteoritos estão caindo em diversas regiões do país. Uma fumaça verde, bastante estranha, está emanando desses supostos meteoritos e o representante do comitê científico recomenda que se tranquem em suas casas e fechem suas janelas para evitar contato com está fumaça. Voltaremos em breve com atualizações — informou a repórter. Fechar a janela? — falei enquanto olhava para a televisão — não vou perder meu momento favorito do dia por causa de alguns meteoritos. Toda essa agitação fez eu esquecer de tomar meu chá, agora ele já está frio.
Sei que pediram para eu fechar a janela mas só tenho esse momento uma vez por dia, preciso aproveitar a brisa antes que escureça de vez. De repente, sinto algo mexendo em minha cabeça, passo a mão e sinto um inseto estranho. Me assusto e dou um tapa nele. Matei sem danificar muito seu corpo, aliás, corpo bem estranho, não acho ter visto um assim antes. Passo a mão pela minha cabeça inteira para saber se ele me mordeu mas não encontro nada, não sinto vontade de coçar lugar nenhum então acho que estou bem.
Após essa pequena aventura, decido finalmente fechar a janela. Aquele inseto estranho me deixou bastante desconfortável, seria ele um alienígena? Um inseto que pegou carona nesses estranhos meteoritos? Meu pensamento pode parecer estranho mas aquela criatura é mais ainda. Seu corpo é longo e bastante fino, aparenta ter apenas uma grande asa que passa pelas suas costas, garras finas e um ferrão curto. Além de ser bastante verde. Bem, melhor não colocar paranoia na cabeça, irei esperar o jornal voltar com mais notícias.
Mais tarde, observo a rua pelos vidros da minha janela. Me sinto preso dentro da minha própria casa e ansioso por atualizações. Cada segundo que se passa parece um século, não tem nada acontecendo na rua que possa diminuir meu tédio. Está vazia. Finalmente o jornal voltou com mais uma notícia, me viro para a televisão e ouço com atenção— Algumas pessoas estão relatando ficarem doentes após essa estranha chuva de meteoritos. Ainda não há estudo que comprove que a doença esteja ligada com esses estranhos fenômenos mas a comunidade científica e o ministro da saúde pede para que todo mundo continue de quarentena em suas casas — suplicou a repórter.
Doentes? Bem que eu senti meu corpo um pouco quente. Será se eu também estou ficando doente? Droga, eu não deveria ter deixado aquela janela aberta. Seria uma doença muito séria? Talvez malária? Acho que não tem casos de malária aqui na minha região. Mas e se for uma doença nova? E se mortal? Sinto meu cérebro derretendo só de pensar... Derreter? Espero que não seja no sentido literal.
Calma, eu preciso me acalmar, um chá de camomila fará bem para mim. Com o chá quase pronto, perco a vontade de beber, a fome que guardei para jantar também foi embora. Seria isso algum sintoma? Passo a mão na testa e sinto meu corpo um pouco mais quente. A ansiedade toma conta do meu corpo e então decido me olhar no espelho do banheiro. Já de frente para o espelho, sinto vontade de caminhar para outro cômodo. Sempre que fico ansioso, tenho vontade de andar bastante, ter algo em mente que possa me distrair, mas fico encarando meu reflexo procurando por algum sintoma físico e não encontro. Tento me acalmar e colocar na mente que deve ser tudo exagero, eu não estou doente de verdade.
Já de madrugada, a insônia toma conta do meu corpo e a ansiedade só piora. Sinto a febre mais forte e dessa vez sinto enjoo, eu só queria vomitar todo esse mal que está preso dentro do meu corpo e me sentir bem. Me levanto e vou até o banheiro, no caminho, percebo que os verdes presentes em alguns móveis estão mais destacados. Já na frente do espelho, eu vejo uma versão de mim bastante apavorada, nunca tinha visto tamanho medo nos olhos de um homem quanto estou vendo agora. Meus pensamentos começam a ficar cada vez mais lentos e leves. Me sinto desligado mas sei que passei muito tempo me olhando pois notei os raios de sol entrando pela janela do banheiro.
Não acredito que passei uma madrugada toda me olhando no espelho, parece que o tempo passou num piscar de olhos. Decido então voltar para a cama e tentar dormir um pouco, minha mente está mais calma e eu mal consigo me concentrar nas dores que estou sentindo nas minhas mãos e nas costas. Já deitado, olhando para a parede verde, finalmente consigo dormir. Sonhei que eu estava em cima de um prédio, prestes a pular em direção ao chão. Pulei sem pensar nas consequências mas então eu consegui voar. Sim, voar. Sonhei que eu tinha asas e voava em direção a uma casa. Já em meu destino, eu olhei para dentro da casa pela janela e vi uma pessoa bastante assustada. Então eu decidi bater bem forte na porta, bati com tanta força que o som da batidas conseguiam abafar o som daquele rapaz gritando por ajuda. Após finalmente conseguir arrombar a porta, vi naquele rapaz o melhor olhar de pavor que eu tinha visto em mim. Eis que surgiu uma enorme onda de sangue por trás que me afogou.
Já bem próximo do crepúsculo, eu acordo. As dores sumiram e não sinto mais febre. Uma calma nunca sentida por mim se instalou em minha mente. Meus pensamentos continuam não muito frenéticos. Me dirijo até a janela e mais uma vez agradeço por conseguir ver o verde intenso da grama, das folhas das árvores e do céu. Não consigo lembrar do tom de outras cores, a não ser daquele vermelho que vi naquela onda de sangue em meu sonho. Eu preciso ver aquele vermelho novamente, eu preciso beber algo que não seja verde.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Metamorfose
HorrorApós um longo dia, nada melhor que preparar um chá, sentar próximo a janela e assistir o pôr do sol. O laranja dos raios solares se encontrando com a escuridão da noite geram um quadro de arte natural, mas, há um verde muito estranho que cruzou o cé...