Anacleto

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      Meu nome é Maria Mbucu, minha família sempre foi pobre. Não éramos miseráveis nem mortos de fome, sempre tivemos o essencial mas nada além disso. Para pessoas ricas "essencial" inclui leite, carne, ar condicionado para os dias quentes e um carro - mesmo pequeno - para a família. Para mim não, o essencial para mim é fuba, água e açúcar. A papa de fuba de milho já salvou a minha família várias vezes no tempo das vacas magras.

      Minha mãe, Rosa Vicente Mbucu, engravidou do seu primeiro filho aos 14 anos de idade, uma coisa bastante comum no meu país. Na época meu pai, Martins Fernando Mbucu, tinha 18 anos. Minha mãe sempre me dizia que num casal o homem deve sempre ser mais velho da mulher, porque as mulheres envelhecem mais rápido do que os homens ou algo parecido. Mas vendo as novelas na televisão nunca entendi por que alguém mais velho ia querer namorar com uma "criança". Eu não conseguia entender por que meu pai engravidara a minha mãe na adolescência. Estariam muito apaixonados? Eu duvido, em todos os meus 12 anos de existência que compartilhei ao lado da minha mãe, nunca presenciei uma única demonstração de carinho por parte de um ou de outro. Eles pareciam dois estranhos confortáveis morando na mesma casa, as vezes discutiam e a minha mãe apanhava, eu e meus irmãos sempre encaramos aquilo com naturalidade, tanto que aos 6 anos o meu irmão, Anacleto Vicente Mbucu, começou a me bater e me maltrtar sem nenhum motivo, simplesmente porque lhe apetecia. Ele tinha 12 anos e era maior e mais forte do que eu, eu só conseguia chorar na minha mãe, mas ela só sabia me dizer "evita ele" até que um dia nem isso ela me dizia mais.
      Anacleto começou a ficar mais abusivo com o passar dos anos e uma vez, durante o jantar, ele bateu na minha cara na frente de todos. Minha mãe nem se mexeu, mas meu pai naquele momento me defedeu e deu um coco na cabeça dele com muita força, até fez um som engraçado, eu não resisti em rir da cara dele e por causa disso levei um coco também, mais leve mas doeu. A partir daquele dia ele deixou de me incomodar na presença do pai. Quando ele estivesse em casa eu passava todo o tempo no mesmo cômodo com ele, mas quando ele saía eu precisava aguentar as travessuras do Anacleto até ele se dar por satisfeito.

      Uma vez, quando eu tinha 9 anos, estava limpando a casa quando Anacleto veio me importunar. Ele me derrubou no chão ignorando os meus protestos, se colocou em cima de mim e segurou os meus braços acima da cabeça. Ele me olhou nos olhos e disse "conta até 10 e vou te largar", rendida eu comecei a contar 1...2...3... Mas eu sentia alguma coisa circulando bem em cima da minha pélvis no mesmo ritmo da minha contagem. Demorei um pouco para perceber o que era e assim que percebi eu gritei e me esperneei o máximo que podia até ele sair de cima de mim e me deixar sozinha. Ele tinha acabado de brincar com o pênis dele na minha pélvis! Eu sabia o que era um pênis, eu sabia o que era uma vagina, eu sabia o que ele tinha tentado fazer e não gostei nada! Eu passei o resto do dia com um incômodo psicológico, de minuto em minuto eu coçava no lugar, era como se eu sentisse que ainda estivesse lá e me dava muito nojo, eu estava muito irritada. Eu e Anacleto só nos voltamos a ver quando nossos pais chegaram do serviço, o que não é comum, nós morávamos numa casa pequena de 2 quartos, sala/cozinha e casa de banho. Quer dizer que ele tinha passado o dia fora, seria para fugir de mim? Eu o observei durante o jantar até a hora de ir dormir e ele nem sequer me olhou, eu não sabia dizer se ele estava com medo ou envergonhado ou os dois, mas eu não estava reconhecendo o meu irmão, eu só conhecia o Anacleto insuportável que eu odeio. Com o que ele fez eu podia tê-lo nas minhas mãos e pela reacção dele eu nem precisava ameaçar, se ele se metesse comigo de novo eu ia contar tudo para a minha mãe por mais vergonha que eu sentisse.

      O comportamento travesso de Anacleto foi substituído por uma frustração relacionada à mim. Eu nunca o chantageei, nem falava com ele, mas ele sabia que não podia fazer nada contra mim porque estava na minha mão e isso o deixava muito irritado. Eu recebia umas quantas olhadas enraivecidas por dia, alguns empurrões e ele não me respondia quando eu perguntava alguma coisa por mais importante que fosse, mas nada se comparava ao que ele fazia antes então eu conseguia suportar aquilo sem problemas. Mas infelizmente eu precisei usar a minha arma secreta e o desfecho não foi como eu imaginei.

O Mundo Dos Homens (Relatos De Maria Mbucu)Onde histórias criam vida. Descubra agora