Prólogo

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        Dante conversava com sua irmã pelo espelho enquanto colocava suas lentes de contato. Ela havia colocado maquiagem e roupas novas para sair aquela noite. Beatrice não saía tão frequentemente para ir em baladas, mas ainda assim ia muito mais do que ele, que estava sempre enfiado no trabalho.

        –Sabe, Dante, eu acho fofo você querer vir comigo, e até acho legal você sair um pouco, mas se você não quiser não precisa, viu? Eu sei que você não gosta muito dessas coisas. Se você quiser a gente faz uma coisa em casa depois.– disse ela, arrumando seu chinelo em seu pé, a única coisa que parecia fora de lugar em sua roupa. 

        Ela não estava errada, Dante geralmente detestava shows, baladas ou qualquer situação que envolvesse multidões ou música alta. Mas ele estava livre e sem nenhuma vontade de fazer trabalho extra em uma noite de sábado pela primeira vez em um bom tempo. Fazia muito tempo que ele relaxava por vontade própria, e beber um pouco e passar tempo com sua irmã parecia uma ideia agradável.

        –Não se preocupa, eu vou ficar só no bar, onde é mais quieto mesmo.– Dante respondeu em uma voz calma, enquanto terminava de colocar sua lente e se virava para a porta.

        Beatrice sorriu e seguiu com Dante até a porta da casa, parando para alimentar Orpheu, e checando se ela havia regado todas as suas plantas, antes de sair de casa.





        Dante checou o relógio de seu celular apenas para descobrir que estava sem bateria. Ele suspirou e olhou em volta novamente, procurando sua irmã. Ele suspirou novamente, desta vez em alívio, quando localizou Beatrice entre as dezenas de pessoas dançando. Ela estava conversando com uma mulher de cabelos ruivos, que parecia estar mais embriagada do qualquer pessoa no bar onde Dante estava sentado.

        Desviando o olhar, Dante virou-se para o bar e bebeu mais um gole de sua bebida. Ele deveria ter rejeitado a oferta de sua irmã, pois naquele momento queria mais que qualquer coisa voltar para casa e ler um livro. Porém, ao mesmo tempo, não queria atrapalhar a noite de Beatrice, que parecia estar fazendo amigos. Dante e suas ideias de tentar fazer algo diferente.

        Os olhos de Dante passaram de um canto para outro da balada, enquanto ele silenciosamente se arrependia de ter saído de casa. Ele observava as pessoas no bar, os grupos de amigos dançando, os casais, três amigas que se moviam de uma forma sincronizada assustadora, um homem usando um casaco pendurado nos ombros que já havia tentado flertar com cinco pessoas diferentes, sendo rejeitado por todas elas.

        Enquanto tentava se distrair, Dante levou um pequeno susto quando percebeu um homem sentado no banco diretamente ao seu lado. 

        Dante checou o bar novamente, e observou que havia pelo menos quatro bancos vagos, que não eram colados no dele. Ou aquele homem não se importava nem um pouco com o conceito de espaço pessoal, ou ele havia sentado perto de Dante de propósito. A segunda opção começou a parecer mais promissora quando ele encarou Dante diretamente nos olhos com um enorme sorriso no rosto.

        Talvez Dante conhecesse este homem, mas ele duvidava. Se, em algum momento de sua vida, ele tivesse visto alguém com uma aparência tão marcante, ele lembraria com todos os detalhes. Ele era alguns centímetros menor que Dante, tinha cabelos castanhos claros e uma barba do mesmo tom. Porém, enquanto seu olho direito também era castanho, o esquerdo apresentava um tom verde-azulado que Dante jamais vira em outra pessoa. Por fim, aonde seu braço esquerdo estaria, a manga de sua jaqueta estava amarrada em um nó.

        No momento em que Dante decidiu dizer algo, o homem o interrompeu.

       –Oi! Tudo bem?– ele falava alto, sua voz saía clara mesmo com a música alta,– Eu adorei as suas tatuagens!– seu sorriso se alargou ainda mais. Dante percebeu que, a parte das bochechas que não estava coberta pela barba, estava rosada, provavelmente por conta do álcool.

        Dante demorou alguns segundos para processar o elogio. Ele olhou para seus braços. Normalmente, ele usava camisas que as escondiam, mas naquela noite ele estava usando uma camisa abotoada de mangas curtas, deixando a grande maioria das tatuagens que ele havia feito enquanto jovem, à mostra.

        –Ah, obrigado! – Dante quase gritou para ser ouvido, e ainda assim não conseguiu projetar sua voz de forma tão poderosa quanto o homem na sua frente.

        –Meu nome é Arthur! E o seu?

        –É Dante!

        –Caramba, que nome foda!– Arthur estava claramente bêbado, ele parecia animado demais por coisas simples. Dante não conseguia entender o que havia de tão incrível em seu próprio nome.

        –Eu... eu gostei da sua tatuagem também!– pensar antes de falar estava ficando mais difícil, talvez Dante estivesse um pouco bêbado também.

        Arthur olhou para seu lado esquerdo, confuso, depois seu rosto se iluminou em compreensão, e ele se virou de volta para Dante e sorriu novamente.

        –Ah! A do meu pescoço? É o símbolo da minha banda, sabia? "Gaudérios Abutres"! – Ele parecia particularmente feliz ao mencionar sua banda e, impossivelmente, seu sorriso se alargou ainda mais.

        Na cabeça de Dante, tudo fazia um pouco mais de sentido, é claro que aquele homem com uma confiança para elogiar um estranho sem problemas e aparência peculiar era um artista. Com aquela voz, ele se perguntava se Arthur era o cantor, talvez de uma banda de rock, que gritava toda hora. Ele também se perguntou se ele era bem sucedido, talvez uma explicação para todo aquele bom humor.

        –Você é músico então, que legal!

        –É! Eu toco guitarra!– ele disse, estufando o peito, orgulhoso. Dante não o perguntou sobre como ele fazia isso com somente um braço, isso seria falta de educação.– Um dia eu toco pra você!

        A cabeça de Dante o dizia que havia algo vagamente engraçado sobre essa frase, mas ele não conseguia se lembrar o quê.





        Dante não sabia por quanto tempo ele e Arthur conversaram, poderia ter sido poucos minutos ou algumas horas, ele não saberia a diferença. Arthur o contou sobre sua banda, sua mãe e o ofereceu chiclete em algum momento, e depois disse que não tinha. Em troca, Dante lhe contou sobre sua irmã, sua carreira como médico e, depois, sua carreira como professor de literatura. Arthur pareceu particularmente animado quando Dante mencionou que daria aula em uma escola chamada Nostradamus, mas nunca mencionou o porquê.

        Em algum momento, Arthur olhou para algo atrás de Dante e se despediu dizendo que havia sido um prazer o conhecer. Quando ele se virou para onde Arthur saiu, ele já havia o perdido na multidão. Ele se foi tão repentinamente quanto quando apareceu.

        Beatrice veio ao seu encontro não muito tempo depois, e os dois andaram até sua casa. Naquele momento, Dante já estava muito cansado e embriagado, mas lembrava vagamente de sua irmã mencionando tendo conseguido o número de um cara que usava um casaco nos ombros.



Coincidência - DanthurOnde histórias criam vida. Descubra agora