— Vamo mudar pra cidade, Jão — foi o cumprimento de mainha, parecendo animada, assim que ele apareceu na cozinha pra comer a típica broa de fubá do café da manhã.
Será que lá teria fogão à lenha? Porque o moço não combinava com o cheiro de fumaça: onde já se viu o menino do interior ter toda aquela história de rinite, bronquite. "Mardita seja essa tar de 'ite'", era o que Jacinta dizia sempre que as crises atacavam.
— Mai a cidade aqui do lado? – ele queria saber.
Sonhar com a cidade grande podia? Parar de andar de mula, montar noutra coisa que não aquele tar de cavalo? Todos os galopes faziam João viver com dores de cabeça e coceira nas partes baixas.
— Pra cidade de tia Cidinha, perto da capitar — Jacinta, mãe de João, respondeu com um suspiro, enquanto estendia o pano de prato na janela pra secar. — Seu pai conseguiu um emprego praqueis lado e só foi acertar os papel da sua escola.
"Tem que ser menino culto", era o que ele sempre dizia, já que, além das crises de "ite" de João, as financeiras também atingiam a família. Foi-se o tempo que a Fazenda gerava lucro, depois de inventarem todas aquelas máquinas caras que o pai de João insistiu em não comprar. Então as rendas da família só diminuíram com o passar do tempo, até que ele precisou recorrer a outras opções.
João estava criando expectativas antes que ela terminasse de dizer "Capital". Havia muito sonhava com aquela cidade, cheia de movimento e carros pelas ruas. Mal podia imaginar o menino do interior andando por lá, conhecendo gente da sua idade, além do pessoal da escola. Como seria o ensino por lá? Ah, ele nem se daria o trabalho de pensar nisso: com certeza valeria o preço de não precisar caminhar até onde Judas perdeu as botas pra chegar às aulas.
Ele estava contente e queria pular de alegria, sair porta afora espantando as galinhas pra ver mais alguém correndo junto dele. No entanto, ele não o fez, simplesmente por ter observado as feições tristes de sua mãe.
Aquele era o lugar onde ela havia crescido. Não exatamente ali naquela casa, mas naquela cidade. Quantas pessoas Jacinta não havia conhecido desde então? Quantas amigas ela não teria que deixar pra trás pra iniciar uma vida nova, deslocada?
— Mainha, eu sei que vai dar tudo certo. Aposto que ainda vai poder visitar a Fazenda.
E talvez não tivesse sido por causa dele ou da ideia absurda de visitar a fazenda, mas um motivo mais interno, que a tenha feito começar a chorar em cima do fogão à lenha.
— A casa tá pra sê vendida, meu fi. Os animal já têm um novo dono e eles vai embora daqui uma semana.
É, ela não teria muito o que fazer, então, e foi por isso que ele a abraçou em silêncio, apesar de ter gostado da ideia desde o começo.
No dia da chegada à Capital, depois de toda a comoção juntada à expectativa com relação à mudança, João não conseguia segurar a excentricidade.
— Óia, mainha, quanta gente na rua!
Parecia um sonho, todas aquelas lojas, uma ao lado da outra, feiras e aglomerados de comerciantes por todos os lados. Bem diferente do Zé que vendia desinfetante de porta em porta... ou deveria dizer porteira?
— Fica quieto, minino. Parece que nunca viu gente — Era a repreensão de Jacinta, enquanto sentada no banco rasgado da caminhonete antiga, com Griselda — a única galinha que não havia sido vendida. Com certeza sentia certa tristeza por deixar todo resto para trás, mas valia à pena só de ver a animação de João. Sempre fora um rapaz tão contido... Não dava pra evitar o sorriso no rosto: ver seu filho feliz a fazia feliz.