Carta Aberta aos leitores de Summer Wine

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As cerejas maraschino estavam com um sabor estranho. Mesmo assim, enchi a garrafa de coca-cola com a calda vermelha e bebi o possível gosto hollywoodiano dos versos de Elizabeth Grant.

Mais um banal dezessete de fevereiro, esse mês está demorando pra acabar e o verão é a luz incandescente dos jovens acesa e logo apagada pelo simples som de uma risada ou de teclas antigas em máquinas de escrever. É bem mais confortável escrever assim, por aqui. Tinha esquecido a sensação de datilografar num teclado convencional de computador. Posso apoiar os pulsos. A sensação de escrever em minha Olivetti Tropical 1984 é um tanto desajeitada: toda vez que escrevo nela sinto o seu peso nas mãos e a força que tenho que depositar nos dedos para digitar uma única letra com acento circunflexo — e ainda sem errar. Além do mais, em poucos segundos começo a sentir a sulcação do regulado martelar das letras. Um teclado de carimbos, é o que é. E o adoro no final das contas.

Essa talvez seja uma carta de amor a esse lugar em que eu pousava os pulsos e escrevia com teclas de sons macios. Uma carta de amor. Assim como todas as coisas que um dia já saíram de mim com o absurdo potencial de ser apenas uma carta de amor.

Decidi postar esse texto, esta carta aberta, para explicar a pendencia daquelas histórias, justificar o abandono forçado de tudo que era meu.
Antes de qualquer coisa, sempre voltarei àquele perfil agradecendo por uma de minhas maiores conquistas como uma escritora amadora: Muito obrigada, queridos leitores, por 3K de leitores e todo o carinho que recebi em comentários de Summer Wine. Eu acho que nunca conseguirei explicar exatamente como é sentir novamente a fome das palavras e da escrita, uma chama acesa outra vez, uma vela que nunca se consumiu. Obrigada, de coração e alma.

Era o mês de abril de 2021 quando eu soube, vasculhando e correndo o risco de acessar minha conta escondido, que haviam dois mil leitores num livro que escrevi com tanto compromisso e amor. Quis sorrir, falar, mentir e chorar, dizendo todas as coisas que eu não poderia dizer. E até hoje, fico feliz e não sei como agradecer pelo retorno e pelas mensagens positivas que recebi de leitores que me encontraram posteriormente.


Devo explicações, eu sou mais uma escritora morta que ressuscitou e isso acontece todos os dias. Mas estou de volta, e prestes a dizer o que ocorreu.

O que houve foi um exílio.

As coisas estavam em seu devido lugar pela primeira vez em toda a minha vida. Sentia as cores velejando pela minha pele, tentando sem sucesso encontrar a beira dos meus castelos. 

Eu a amava. Na noite de réveillon os fogos de artifício explodiram no céu de nossas bocas e eles eram um êxtase de cinco cores: vermelho-profundo, laranja destilado, branco, rosa e magenta elétrico. Eu nunca fui tão feliz e lésbica em toda minha vida. E eu a amei mais uma vez. E outra. E outra. 

Era quatro de fevereiro quando meus pais receberam a mensagem da mãe de Laura dizendo que havia descoberto sobre nós duas. Eles souberam de tudo, e eles acabaram com tudo. 

Laura Rosa, a flama quente e viva que consegue reger o compasso do sentido na minha vida e me cultivar jovem para sempre. Nossos planos, nossas aulas de natação, o verão em que nossos lábios haviam timidamente se tocado, quatro vezes, pela primeira vez. Tudo foi terrivelmente estilhaçado por nossos pais e eu perdi tudo.

Para piorar as coisas, uma semana antes, Carmelita, minha querida e primeira gatinha a quem eu cuidava tanto, fugiu por um descuido de minha mãe, que numa noite de chuva forte, deixou a porta da sala e a garagem aberta para estacionar o carro. A procuramos por toda parte, muitas pessoas a viram, mas nenhuma sabia onde ela havia se metido. Ela não voltou mais e eu nunca mais a vi. Chorava todos os dias, sentindo saudade da minha Carmelita, sem saber que eu perderia muito mais coisas depois: meus diários, minhas fotografias, futuros momentos com ela, ânimo e sanidade mental. 

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