O Ímpeto

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Acordei com aquele barulho. O mesmo de toda noite, no mesmo horário, quase como um relógio em seu perfeito funcionamento. Certas noites, quando a insônia me mantém acordado, quase anseio pelo som familiar, mesmo que ele me cause uma sensação de terror como nunca havia sentido antes.

Os degraus de madeira estralam conforme os passos pesados fazem sua jornada até o segundo andar. Eu só ouço, cauteloso e amedrontado.

Depois que os degraus terminam de ranger, é a vez do assoalho carcomido do corredor. Cada vez mais perto, os passos parecem ainda mais pesados, e a tensão é tanta que parece pressionar todos os ossos do meu corpo.

Então é a vez da porta, gemendo nas dobradiças, estralando e clicando conforme é escancarada.

A essa altura eu já tenho os olhos bem fechados. É engraçado, na verdade, o que é a insanidade provocada pelo medo, como aquele ímpeto à beira do precipício, convidando você a se jogar. Sei muito bem o que acontece se você abre os olhos, se encara as pupilas mortas dela - pelo menos, foi o que ouvi falar; nunca olhei, ou não estaria aqui agora -, mas, ainda assim, é grande a tentação.

Quando sinto aquela estranheza familiar, indicando que a velha está bem na minha frente, prendo a respiração. Os segundos parecem se arrastar infinitamente e o fôlego começa a faltar; sinto que estou a ponto de colocar tudo a perder, me dar por vencido, ansiando pela simples sensação reconfortante do ar entrando nos meus pulmões - mesmo que seja pela última vez.

Mas o momento de desespero logo passa e sinto em cada célula do meu corpo quando a velha dá meia volta, fazendo o assoalho guinchar sob seu peso, e toma seu rumo de volta à escuridão do corredor.

Aos poucos, me permito pequenas inspirações, sem emitir o menor ruído, somente respirando fundo quando os degraus da escada já rangeram mais do que a metade do caminho.

Trêmulo e tomado por calafrios, abro os olhos no escuro do quarto agora vazio. Mais uma noite sobrevivi, resisti ao chamado da criatura sombria e de suas garras mortais. Não é nenhuma vitória, sabendo que, a cada noite que passa, maior é a familiaridade com aquele ser macabro, e mais intenso é o chamado do abismo. Até quando vou resistir ao ímpeto do salto?

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