Capítulo Único

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Inglaterra, 2021

- A batida de Max Verstappen na primeira volta do GP da Grã-Bretanha foi a segunda mais forte da Fórmula Um em pelo menos seis anos, com base nos dados divulgados sobre os acidentes que ocorreram de 2015 para cá. – A repórter contou, olhando para a câmera. - O impacto mais forte continua sendo de Romain Grosjean no Grande Prêmio do Bahrein no ano passado. Os dados são de um equipamento que os carros de Fórmula Um têm desde 1997, chamado gravador de dados de acidentes e que usa os vários sensores do carro para determinar a violência do impacto, computada em forças G. – Ela continuou. – E os dados desse equipamento da Red Bull de Verstappen registrou um pico de impacto comparável a 51 vezes a força da gravidade na batida desse domingo.

Atrás da repórter era possível enxergar uma nuvem de outros repórteres, com seus microfones de TVs de todo mundo, todos interessados nas últimas novidades sobre o piloto, ignorando a pesada chuva que caía.
- O holandês não chegou a perder a consciência, mas ficou um pouco tonto com o impacto. Segundo informações passadas aqui para nós, ele estaria passando por uma ressonância magnética por aqui mesmo, mas ainda sem mais notícias. Esperamos um pronunciamento do piloto e da equipe em breve, principalmente depois de toda polêmica sobre o acidente que tem surgido na internet. – Continuou ela. – É com vocês aí no estúdio.

A chamada ao vivo teve fim e a repórter baixou o microfone, estava cansada e mal podia esperar para tomar um bom e longo banho, sair daquela chuva torrencial. A entrada e saída de ambulâncias estava comprometida devido a aglomeração de torcedores, jornalistas e curiosos nas portas do hospital. A equipe não estava acostumada a tanto barulho, apesar da cidade ser lar do Grande Prêmio da Grã-Bretanha. Além da época de corridas, a cidade era pacata e calma, sem muita agitação ou atenção por parte da mídia mundial.
Claire odiava aquelas exceções, tentava esconder o rosto com um casaco, andar de cabeça baixa, ou evitar as portas e janelas, desligar o celular e fingir não trabalhar naquele bendito hospital. De repente, todos habitantes da cidade tinham seu telefone, de seu dentista até o amigo do irmão de uma de suas amigas, todos querendo informações quentes sobre o paciente ilustre que ocupava o quarto quarenta e quatro.
Felizmente aquele não era um dos seus, podia passar longe e usar a desculpa verdadeira de que não sabia sobre o caso. Obviamente a equipe a cuidar daquele paciente fora escolhida a dedo, médicos, enfermeiros, tudo passara por um crivo muito específico, afinal, a mídia estava acampada na porta do hospital, precisavam mostrar perfeição no cuidado. Claire sequer sabia de quem se tratava, tudo que sabia era que não poderia atravessar a rua e comprar seu café porque não poderia atravessar o mar de jornalistas sem a ajuda de um trator.
- Quando é que eles vão embora? – Bufou impaciente, apoiando-se no balcão da recepção da maternidade. Aproveitando o horário de pouco movimento para reclamar um pouco.
- Os recém-nascidos, jornalistas ou os residentes de medicina? – Sam, o enfermeiro chefe brincou.
- Podiam ir todos juntos, mas me contento por hora apenas com os jornalistas.
- Quando liberarem o piloto. – Sam deu de ombros, conferindo os registros de entrada daquela tarde e anotando algumas coisas em prontuários. – Não deve demorar, alguém como ele não vai ficar aqui por muito tempo.
- Que bom, porque não vou conseguir sobreviver a um plantão inteiro sem meu café. – Claire inclinou-se um pouco, tentando observar a movimentação na rua. – Esse cara é realmente famoso assim?
- Se você gosta de Fórmula Um, sim. – Sam respondeu sem pensar, mas em seguida arrastou a cadeira em direção a colega e arqueou uma sobrancelha. – Você não gosta? Mora aqui e não gosta?
- O que? Eu tenho vinte e três anos, passei minha adolescência sendo fã de One Direction, Demi Lovato e Crepúsculo. O máximo que sei de Fórmula Um é que os carros são estranhos e eles dão várias voltas intermináveis. – Sam piscou duas vezes, encarando-a incrédulo. – Charles Leclerc? Lewis Hamilton? Vettel. Sebastian Vettel. – Claire lembrou de alguns nomes, tentando se justificar.
- Meu Deus. – Sam balançou a cabeça negativamente. – Você devia ser exilada da cidade.
- Em minha defesa, eu não sou daqui. – Claire levantou um ombro, distraindo-se do amigo e analisando a rua mais uma vez, torcendo para que os jornalistas fossem embora junto com a pequena enchente que começava a se formar na entrada de ambulâncias.
- Jones. – A doutora Davies a chamou, fazendo Claire ajeitar a postura e adotar uma posição mais vigilante. – Uma das mães está realizando exames lá em cima, mas já devia ter voltado. Pode ir até lá e ver o que aconteceu?
- Claro. – Claire assentiu, levantando as sobrancelhas para Sam, que piscou como resposta.

O lugar onde a maioria dos exames eram realizados ficava três andares acima da maternidade, e era facilmente alcançado pelo elevador. Claire caminhou até os elevadores com calma, não era um caso de vida ou morte e além disso, odiava correr pelos corredores. Primeiro, por sempre tropeçar e cair na frente da equipe, pacientes e acompanhantes, em segundo, porque outros profissionais sempre achavam se tratar de uma emergência e corriam também, terceiro, assustava os pacientes e naquele momento, com tantos jornalistas do lado de fora, pacientes assustados não era uma boa ideia.
Quando o elevador alcançou o segundo andar e abriu suas portas, depois de um tempo relativamente longo, Claire entrou com um pulinho e apertou o botão do sexto andar. Encostou-se nos fundos da caixa e observou os números mudando de acordo com que o elevador subia. Segundo, terceiro, quarto, quinto e então um apagão. O elevador parou de repente, e o número cinco estava pela metade do visor. Droga, Claire xingou em pensamento, já podia sentir os pulmões se apertarem, o ar faltar. Iria morrer, com certeza morreria, não fazia ideia do que fazer. Deitar no chão? Pular quando o elevador começasse a descer? Gritar por socorro?
Felizmente a visão ainda não estava turva o suficiente, e pudera encontrar o botão de comunicação no painel do elevador e assim, fez contato com o mundo exterior. Depois de um minuto de conversa, soubera se tratar de uma pane elétrica por causa chuva, que seria resolvida rapidamente. Não era a pessoa mais claustrofóbica do universo, mas ainda guardava resquícios daquele medo. Conseguia usar o elevador sempre que preciso, costumava ser rápido e focava em acompanhar os números mudando, indicando a descida ou subida. Mas nunca havia estado num elevador em pane antes, conseguia imaginar milhões de cenários possíveis, em todos ela tinha mortes horríveis.
E a pior parte era, usava uma calcinha de algodão cheia de bandeiras da Inglaterra. Porque toda tragédia nunca vem sozinha e ela morreria e se tornaria piada no hospital por estar com uma calcinha feia.

Drive to Survive - Max VerstappenOnde histórias criam vida. Descubra agora