Capítulo 4: "Palavras Que Cortam"

7.1K 431 31
                                        


A manhã seguinte amanheceu cinzenta, o céu coberto por nuvens que pareciam tão pesadas quanto os pensamentos de Marie.

Ela entrou na sala de literatura com passos contidos, ocupando discretamente uma carteira ao fundo. A turma ainda conversava em grupos desatentos, esperando o novo professor. O antigo havia se aposentado no semestre anterior, e rumores sobre o substituto variavam entre "exigente demais" e "bonito demais pra ser real".

Quando a porta se abriu, o burburinho cessou. Um homem de terno escuro e rosto jovem entrou sem pressa, equilibrando uma pilha de livros e uma pasta de couro desgastada.

— Bom dia. Eu sou o Sr. Valentin. E espero que ninguém aqui esteja esperando uma aula tranquila. Literatura é território de guerra — disse, sem sorrir.

Marie ergueu os olhos. Ele não parecia um professor comum. Havia algo nos gestos dele — firmeza sem arrogância. E os olhos atentos, como se lessem mais do que a superfície das pessoas.

Ele caminhou até a lousa e escreveu apenas uma palavra:

"Verdade."

— Isso é o que vamos buscar nas próximas semanas. Não nas respostas certas para provas — mas naquilo que dói. Naquilo que vocês evitam escrever. Porque literatura não é decoreba. É enfrentamento. E eu quero saber quem, entre vocês, ainda tem algo a dizer sobre o mundo — ou sobre si.

Marie desviou o olhar, incomodada. Como se ele tivesse falado direto com ela.

— Vocês vão escrever uma crônica — ele continuou. — Tema: "Algo que eu nunca disse." Entregar em duas semanas. Só uma página. Mas quero que doam os dedos quando terminarem.

Alguns alunos protestaram. Outros riram nervosos.

Marie ficou imóvel.

"Algo que eu nunca disse."

Era quase cruel. Mas, de algum modo, também era um convite.

Ao final da aula, quando os alunos já saíam, Sr. Valentin passou pelos corredores das carteiras e parou ao lado dela.

— Marie Collins, certo?

Ela assentiu, sem encará-lo.

— Não precisa escrever sobre Paris se não quiser — ele disse, num tom sereno. — Mas escreva sobre o que restou depois. É isso que importa. A literatura sempre começa no que sobra.

E então se afastou, deixando apenas o leve som dos passos e o peso da proposta.

Marie ficou ali por alguns segundos, sozinha, com o caderno ainda fechado diante de si.

Algo que eu nunca disse...

Ela pegou a caneta. E pela primeira vez, escreveu três palavras no topo da página.

Eu voltei vazia.

Ela Sempre Esteve AquiOnde histórias criam vida. Descubra agora