Prólogo

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Elena correu o mais rápido que pôde segurando forte seu guarda-chuva amarelo com girassóis desenhados nas pontas. Perdeu a conta de quantas poças de água teve que pular, e em quantas delas quase caiu por causa do seu tênis. Olhou para os seus all star gastos do ensino médio, e percebeu que a qualquer momento poderia ocorrer uma queda em público, e ela não queria isso. Finalmente chegou até o ponto de ônibus, estava sozinha, mas os carros continuavam passando rápido pelas águas que se formavam no chão. Fechou o guarda-chuva e balançou o cabelo que estava um pouco molhado.
Um rapaz chegou correndo logo em seguida. Estava de mochila, casaco e encharcado dos pés à cabeça. Elena notou que seu sapato e sua calça estavam molhados até a panturrilha, riu sozinha pensando que talvez ele tivesse caído em alguma das poças que ela pulou. Ele ficou tentando tirar da roupa a água que escorria dela, mas o esforço era em vão. A garota viu que na bolsa dele tinha um chaveiro azul pendurado com uma águia robusta desenhada no meio, a insígnia da UNM, Universidade Nícolas Machado, a mesma que a sua.
"Ok, pode respirar, ele não é assaltante. Só... se ele assaltou um estudante, pegou as coisas dele para tapear e agora eu sou a próxima. Calma, calma, Ai Jesus", disse a si mesma tentando se manter tranquila.

— Ótimo dia para apresentar seu TCC e ir encharcado fazer isso. - disse o garoto ainda tentando tirar a água de si.
— Ah, não! - Elena olhou surpresa para ele, boquiaberta - Não acredito que você vai apresentar hoje... - o observou de cima a baixo com expressão de pena - assim? - Ele se virou notando sua presença e sorriu do comentário. Quando ela percebeu que estava conversando com um estranho, voltou-se para frente fingindo olhar o céu.
— Pior que vou! E se essa chuva não passar daqui a... - olhou o relógio de pulso - dez minutos, eu vou ainda mais molhado  - tirou a bolsa das costas, colocou-a no chão e se sentou em um dos bancos - já dava pra imaginar que o fim do dia seria assim, o começo já não foi bom.
— O que aconteceu hoje? - Elena perguntou despretensiosamente. Ele olhou para cima e a fitou. A garota falava de um jeito tão natural com ele que pareciam que já se conheciam há algum tempo. Ela tinha cabelos castanhos claros, bochechas  rosadas e olhar curioso. 
— Bom... - decidiu desabafar, não a veria novamente de toda forma -  Para começar a água lá de casa foi cortada e tive que ir em um banheiro público tomar banho, o que estava bem lotado, e por isso me atrasei para o trabalho. Acabei fazendo besteira e quebrando alguns pratos no serviço, me custando uma parte do salário e alguns minutos a mais para limpar a bagunça. E por isso perdi a carona para a faculdade, aí peguei um ônibus, que quebrou no meio do caminho, então vim correndo a pé, na chuva. Uff - Suspirou. A jovem estava novamente boquiaberta.
— Sangue de Cristo! Que dia... Mas... Olhe pelo lado bom - ele se virou para ouvi-la - Pelo menos você não está com fome - nesse momento um barulho veio do estômago do garoto e ela arregalou os olhos, não esperava por aquilo. - Éh... Dizem que esse barulho pode ser bosta, não fome. - no mesmo instante que percebeu o que disse, ela colocou a mão na boca constrangida e assustada por não ter filtrado tal pensamento.

O jovem a olhou por um instante e logo em seguida caiu na gargalhada. Ele riu tão alto, que as pessoas que passavam correndo ou andando com seus guarda-chuvas tamanho família, paravam para entender o que estava acontecendo. Elena continuava um pouco envergonhada, mas agora dava um sorrisinho tímido para dizer a si mesma que estava tudo bem. Ela também se sentou no banco, só que um pouco mais afastada do rapaz, que ainda sorria ao lembrar da fala dela.
— Você tem razão, pode ser bosta - riu novamente - mas acredito que de fato seja fome. Eu não almocei.
— Menino... Já já você vai estar enfrentando o leão e o urso. - ela abriu a bolsa dela e começou a procurar alguma coisa dentro. Ele a fitou.
— O leão e o urso já passou... Devo estar na fase de Golias, agora - ela se virou sorrindo para ele, gostando do garoto ter pego sua referência.
— Toma. - ela estendeu uma coxinha e ele ficou encarando o alimento e a garota
—  O que é isso?
— Coxinha... não é óbvio? - ela olhou o alimento direitinho - é, é coxinha.
— Mas... Porque você está me dando?
— Por que você está com fome, ué!
— Não! É sua comida, não precisa! 
— Claro que precisa!
— E você vai ficar sem comer?
— Eu já estou indo para casa. Além do mais, estou de dieta, então, come! - ele arqueou uma das sobrancelhas
— Você está de dieta e... Comprou uma coxinha? - a garota franziu o cenho e sorriu.
— Pois é! Eu caí na tentação de comprar, mas não comi, acho que tinha um outro propósito nela! E essa é de macaxeira e de forno. Mais light. - esticou novamente a comida - Come logo filho de Jessé! - o garoto sorriu, aceitou e já foi comendo! - Está vendo? Muito bem! Só vou te dar um conselho... - A menina olhava pensativa e séria para ele comendo a coxinha - Não aceite comida de estranhos - o rapaz parou de comer e a olhou assustado - A gente não faz ideia de quem pode querer fazer mau a gente, não é? O mundo está terrível  - ele tossiu com a boca cheia de comida e engoliu devagar.
— Você... Colocou alguma coisa na minha comida? - ele perguntou cautelosamente.
— OH NÃO! NÃO, NÃO! Eu estava apenas falando para um futuro! Não somos "desconhecidos" - ela fez aspas no ar - somos da mesma faculdade.
— Somos?
— Sim! UNM - e apontou para o chaveiro dele, também mostrando o mesmo que ela tinha.
— Que legal! Que curso você faz?
— Direito! Estou no sétimo período. Mas, às vezes fico pensando em trancar, não sei se me encaixo ao certo!
— Depende de como você se sente vivenciando aquilo. Às vezes estamos no lugar certo, mas, nossa incapacidade de olhar o melhor de nós, nos sabota ao ponto de acharmos que não somos bons para aquilo. Talvez você seja ótima e não sabe. Ou talvez você ame fazer outra coisa, só você que saberá.

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