Destino

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ㅤㅤㅤO artista voltou ao café todos os dias, assim como de seu costume, porém agora não existiam mais as bebidas quentes durante o amanhecer dos dias de inverno e sim ao entardecer quando o pôr-do-Sol criava um espetáculo nos céus. A mudança repentina de horário ocasionou uma pequena confusão, tanto nos demais funcionários quanto no melhor amigo, este que por um instante, se tratando de um rapaz deveras ansioso, acreditou que o mais alto estava lhe evitando por alguma baboseira que acidentalmente poderia ter dito em meio brincadeiras durante os seus turnos. Hwang gostaria de ter sido sincero quando trocaram mensagens, mas não conseguiu e sentiu-se um péssimo companheiro por isso. Tudo o que respondeu fôra uma afirmação. A desculpa era que não estava conseguindo encaixar um tempo na parte da manhã por conta de um suposto período atarefado de sua universidade. Desaprovava – lê-se detestava – mentiras, tinha dado o seu melhor para manter a honestidade em todos os pontos possíveis de sua personalidade, porém sentiu-se tímido diante os próprios sentimentos, demasiadamente envergonhado das próprias atitudes, afinal, estava voltando até o estabelecimento por um motivo ainda mais bobo e foi embalado pela insegurança de ser julgado. Han Jisung jamais faria isso consigo, porém não tinha culpa de carregar tantas marcas no interior de seu peito.

ㅤㅤㅤNão estava com um interesse profundo em estudar os poucos casais que apareciam diante sua vista ou os comportamentos de outros clientes que dividiam o salão consigo naquele horário. Também não estava em busca de inspiração por não ser necessário no momento. Suas poesias estavam vindo com uma frequência abundante e de maneira natural nas incontáveis folhas que variavam entre diversas tonalidades pastéis. Suas pinturas e desenhos haviam se tornado o ponto de harmonia mais vívida graças aos sentimentos mais intensos que estavam surgindo pela primeira vez depois de tanto tempo. Então, se as coisas seguiam bem, o que ele estava fazendo ali? A resposta era mais simples que o esperado. Tudo o que desejava era eternizar – através de rabiscos – uma única pessoa em específica, cuja nunca deixava os seus pensamentos durante suas aulas sobre a história da arte ou até mesmo em seus sonhos mais particulares, era capaz de atrair sua atenção como um verdadeiro ímã. O rapaz mais baixo que si, dono dos fios dourados e responsável por carregar em suas bochechas as constelações mais belas que conseguiu encontrar durante toda a sua vida, havia conseguido assumir completamente o espaço de sua mente com uma única aparição.

ㅤㅤㅤHwang acreditava que o atendente não sabia da tamanha admiração que nutria por ele, mas era compreensível, pelo menos para si. As coisas jamais iriam avançar porque o próprio artista não permitia uma aproximação maior. Nunca chegaram ao ponto de trocar uma sequer palavra ou uma mínima sentença. Nunca deixou seus olhares dançarem em uma perfeita sinfonia pois não permitia o encontro destes. Não era intencional, mas sim por puro medo, estava com medo de toda a imensidão que vinha sentindo em seu coração nos últimos tempos. Desde quando as orbes amendoadas pousaram sobre aquele rapaz, que esbanjava sorrisos doces para todos ao seu redor com pureza, sua vida virou uma completa bagunça por conta da confusão. Todas as vezes que o observava – de longe – era inundado por aquela ligeira impressão de que ali, diante o jovem que lhe cativou desde o primeiro segundo, conseguiria encontrar as respostas que procurou durante toda a sua vida sobre os mistérios de um amor.

ㅤㅤㅤEle queria se aproximar e seguir com uma série de questionamentos, descobrir por conta própria quais eram as possibilidades de que aquele homem pudesse ter sentido o mesmo em algum momento de sua vida, fosse consigo ou com outro alguém completamente distinto, mas soava tão estranho em sua mente por não se conhecerem que acabava por desistir quando obtinha coragem o suficiente. Considerou a hipótese de que estava enlouquecendo por tantos problemas e responsabilidades, mas aquilo estava distante de acontecer, a situação era menos complexa e com certeza ele irá descobrir um dia. Diante este pequeno impasse envolvendo sua falta de confiança, Hyunjin focava em repetir mais um dia pacato, onde se sentava na mesa próxima da janela e focava nos papéis expostos sobre a mesa. Ele não precisava reencontrá-lo para desenhar os seus detalhes, como a linha do rosto bem delineada ou a ponte perfeita de seu nariz, chegou ao ponto de memorizar as pequenas sardas que se camuflavam em meio aos brincos pratas que sempre o decoravam seu corpo. Ele só queria estar presente mais uma vez, poderia ser da sua forma silenciosa e quase imperceptível, mas ainda presente.

ㅤㅤㅤA caricatura do dia era semelhante das outras, as favoritas estavam penduradas carinhosamente no seu mural particular que existia em um canto reservado de seu quarto, o único detalhe que diferia esta das demais era a paisagem ao fundo. Hwang foi embalado por um sonho bonito na última noite. Não recordava-se ao certo de todas as características, exceto pela paisagem ao fundo, tão colorida quanto um belo quadro pintado com tinta óleo. O céu estava azul, sem quaisquer nuvens para atrapalhar a visão do Sol. Entre suas pernas, abaixo dos pés descalços, conseguia sentir as folhas da grama juntamente das pequenas margaridas. Era um campo. Ele estava segurando algo, um par de mãos nitidamente menores que as suas, no sonho admirava aquela diferença com um sorriso bobo. Suas vestes também eram diferentes, parecia estar diante uma época vitoriana, mas não tinha se preocupado com esse fator. Não sabia quem era o dono ou dona daquelas mãos. Entretanto, acreditou que aquela junção ficaria exuberante com o rapaz sem nome que tanto desenhava.

ㅤㅤㅤPercebeu que estava na hora de ir embora quando finalizou seu chá Earl Grey¹. Não existia mais uma desculpa plausível para continuar no estabelecimento. A pressa em apanhar seus pertences estava nítida, normalmente tal sentimento não existia em sua rotina, era um rapaz tranquilo e tentava seguir com estes mesmos traços sem sair dos eixos, porém agora era necessário por um pequeno fato: estava atrasado. Durante o amanhecer, sua querida irmã – Hwang Yeji – propôs um convite ao rapaz. A namorada, com a qual dividia um apartamento no centro da cidade, precisou deixá-la sozinha por conta de uma pequena emergência familiar e ela queria ter uma companhia. Fazia algumas semanas que não se viam. Mesmo depois de tantas desavenças na família, o carinho dos irmãos continuava intacto, por isso não hesitou em aceitar o convite. Também queria ser uma boa influência para ela.

ㅤㅤㅤQuando colocou os pés para fora do estabelecimento, percebeu que algo tocou o topo de sua cabeça com suavidade, automaticamente seus olhos seguiram para cima. Estava anoitecendo e o céu estava nublado, não existiam mais tons variados de amarelo e laranja, somente um azul denso e acizentado. Um sorriso adornou seus lábios naquele instante. Era neve. Finalmente estava nevando. Foi a primeira vez que Hyunjin sorriu de um modo tão aberto daquela maneira, por um mísero instante, esqueceu completamente da pressa em que estava e do importante compromisso que tinha a seguir. As mãos se soltaram com lentidão a alcança da bolsa de couro marrom que cruzava seu peito e foram posicionadas diante seu rosto, um floco de neve caiu gentilmente no centro delas, seu sorriso aumentou ainda mais tornando seus olhos em dois pequenos riscos. Somente retornou para a realidade quando o celular vibrou no interior do casaco. Não precisou conferir para descobrir quem era. A notificação o fez, literalmente, sair correndo.

ㅤㅤㅤCaso o mais alto não estivesse distraído – e apressado – ele teria notado algumas coisas. A primeira delas seria que um de seus pequenos sketchbooks havia ficado sobre a mesa ao lado do copo vazio, porém não seria de fato um problema, ele estava sendo cuidado por mãos delicadas que o abraçavam contra o seu peitoral. A segunda, mas não menos importante, era a de que estava sendo observado com graciosidade. O atendente de fios claros nunca, em tanto tempo, tinha observado uma pessoa reagir com tanto carinho diante um nevar anual. Talvez, apenas talvez, aquela ternura vinha sendo alimentada há poucos dias. Se ao menos Hyunjin tivesse parado por mais um tempo, mesmo que uma fração de segundos, ele perceberia.

ㅤㅤㅤO destino não brincava em serviço.

Coffee & Art - HyunLixOnde histórias criam vida. Descubra agora