Capítulo 1

430 6 3
                                    



O HOMEM GORDO DO outro lado da rua estava prestes a largar as compras. Levava um saco de papel em cada braço e não conseguia enfiar a chave na porta traseira da van.

Finney estava sentado nos degraus em frente à Poole's Hardware, com uma garrafa de refrigerante de uva na mão, observando tudo.

As compras do homem gordo iam cair assim que ele abrisse a porta. O saco do braço esquerdo já escorregava.

Ele não era qualquer tipo de gordo, era grotescamente gordo. A cabeça havia sido raspada até ficar polida à perfeição, e havia duas dobrinhas onde o pescoço encontrava a base do crânio.

O homem usava uma camisa havaiana chamativa — tucanos aninhados em trepadeiras dependuradas —, embora fizesse frio demais para usar qualquer coisa de manga curta.

O vento gélido e penetrante obrigava Finney a se curvar e virar o rosto em outra direção.

Ele também não estava vestido de maneira apropriada para aquele clima.

Seria mais sensato esperar pelo pai dentro da loja, mas John Finney não gostava da maneira que o velho Tremont Poole olhava para ele, de soslaio, como se esperasse que o garoto quebrasse ou roubasse alguma coisa.

Finney só entrou para pegar um refrigerante de uva, coisa que ele tinha que fazer, era um vício.

A fechadura girou e a porta traseira da van foi escancarada. O que aconteceu a seguir foi um número tão perfeito de comédia- pastelão que poderia ter sido ensaiado — e depois ocorreu a Finney que provavelmente fora mesmo.

A parte de trás do veículo continha um monte de balões e, assim que a porta se abrira, eles foram empurrando uns aos outros até saírem...

se jogando em cima do homem gordo, que deu um salto para trás, como se não fizesse ideia de que estavam lá.

O saco do braço esquerdo caiu no chão e se rasgou. Laranjas rolaram para todos os lados.

O homem gordo perdeu o equilíbrio e seus óculos escuros escorregaram do rosto. Ele reagiu e pulou na ponta dos pés, se esticando na direção dos balões, mas era tarde demais, eles já tinham voado para longe, fora de alcance.

O homem gordo soltou um palavrão e mostrou o dedo do meio para os balões. Virou-se, analisou o chão e, então, se jogou de joelhos.

Colocou o outro saco de compras na van e começou a tatear o pavimento, buscando os óculos. Ele se apoiou sobre um ovo, que se espatifou debaixo da palma. Então, fechou a cara e balançou a mão no ar. Fios reluzentes de clara de ovo voaram dela.

Àquela altura, Finney atravessava a rua devagar, deixando o refrigerante no meio-fio.

— Quer ajuda, senhor?

O homem gordo o observou com os olhos cansados que não pareciam de fato focados nele.

— Você viu tudo o que aconteceu?

Finney analisou a rua. Os balões já estavam a uns dez metros de altura, seguindo a linha dupla no meio do asfalto.

Eram pretos... todos eles, tão pretos quanto pele de foca.

— Sim. Sim, eu... — falou Finney, e então a voz desapareceu e ele franziu as sobrancelhas, acompanhando os balões sumindo nas nuvens baixas e carregadas no céu. Aquela visão, de alguma forma, o deixou inquieto.

Ninguém ia querer balões pretos; para que eles serviam, afinal? Para dar uma animada em funerais? Ele continuava olhando, por um segundo, hipnotizado, pensando em uvas envenenadas.

Passou a língua nos lábios e, pela primeira vez, notou que seu amado refrigerante deixava um sabor desagradável de metal na boca, como se ele tivesse mascado um fio de cobre desencapado.

O homem gordo o tirou do transe:

— Viu meus óculos?

Finney colocou um dos joelhos no chão e se inclinou para olhar embaixo do carro. Os óculos do homem gordo estavam debaixo do para-choque.

— Peguei — disse ele, passando o braço além da perna do homem gordo para alcançá-los.

— Para que eram aqueles balões?

— Sou palhaço nas horas vagas — respondeu o homem gordo. Ele estava pegando alguma coisa no carro, dentro da sacola que colocara lá.

— Pode me chamar de Al. Ei, quer ver um negócio engraçado?

Finney olhou para cima, teve tempo de ver Al segurando uma lata amarela e preta de metal com desenhos de vespas. Ele a agitava furiosamente.

O garoto começou a sorrir com a ideia louca de que Al estava prestes a jogar serpentina na sua cara.

O palhaço nas horas vagas acertou uma rajada de espuma branca em seu rosto. Finney se movimentou para virar, mas foi lento demais para evitar que aquilo entrasse nos seus olhos.

Ele gritou e um pouco de espuma entrou na sua boca. Tinha um gosto químico forte. Seus olhos eram como carvões em brasa nas órbitas.

A garganta ardia; em toda a vida, ele nunca tinha sentido uma dor como aquela, um fervor gelado escaldante. O estômago se revirou e o refrigerante de uva voltou em um jato quente e doce.

Al o pegou pela nuca e começou a empurrá-lo para dentro da van.

Os olhos de Finney estavam abertos, mas tudo o que conseguia ver eram pulsações alaranjadas e amarronzadas feito óleo que piscavam, aumentavam, se misturavam umas às outras e desapareciam.

O homem gordo segurava o cabelo do garoto com uma das mãos enquanto a outra se meteu entre as pernas de Finney, levantando-o pela virilha. O braço de Al passou perto de sua bochecha e Finney abocanhou a gordura balançante, mordendo até sentir gosto de sangue.

O homem gordo uivou e o soltou, e, por um segundo, Finney voltou ao chão. Deu um passo para trás e a sola do sapato encontrou uma laranja. Torceu o pé. Perdeu o equilíbrio, quase caiu, e, então, o homem gordo agarrou seu pescoço de novo, empurrando-o para a frente.

A cabeça do menino fez um som ressonante ao bater em uma das portas traseiras do carro, e toda a força das suas pernas se esvaiu.

Al o segurava pelo braço e o largou dentro da van. Só que não era mais uma van. Era uma mina de carvão, e Finney caiu com uma velocidade assustadora naquela escuridão.

O Telefone Preto Onde histórias criam vida. Descubra agora