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Uma luz cor de trigo começava a se derramar para dentro do cômodo quando Finney escutou o trinco. Estava de costas para a porta, ajoelhado no canto do porão, no lugar em que o cimento quebrara com a areia embaixo.

Ainda sentia o gosto amargo de cobre antigo na boca, como o sabor que permanecia na língua depois de beber refrigerante de uva. Girou a cabeça, mas não se levantou, escondendo o que tinha nas mãos com o corpo.

Ficou assustado ao ver alguém que não era Albert, deu um grito e, de forma atrapalhada, se colocou de pé.

O homem na soleira da porta era baixo e, embora seu rosto fosse redondo e rechonchudo, o restante do corpo era pequeno demais para as roupas que estava usando: um casaco militar amarrotado, um suéter de tricô largo. Seu cabelo despenteado começava a recuar da curvatura oval da testa.

Um canto da boca se ergueu em um sorriso irônico e descrente.

— Puta merda — falou o irmão de Albert. — Sabia que tinha alguma coisa no porão que ele não queria que eu visse, mas puta merda.

Finney se arrastou na direção dele, as palavras saindo de forma incoerente, uma confusão desesperada que nem as falas das pessoas que ficavam presas a noite inteira no elevador quando enfim são libertadas.

— Por favor... minha mãe... ajuda... chame ajuda... chame a minha irmã...

— Não se preocupe. Ele não está aqui. Teve que correr até o trabalho — informou o irmão. — Meu nome é Frank. Mas fica calmo. Agora entendi por que ele teve um faniquito quando mandaram ele ir lá. Estava nervoso de eu descobrir enquanto não estivesse na casa.

Albert apareceu sob a luz atrás de Frank com uma machadinha e a ergueu, colocando-a sobre o ombro como um bastão de beisebol.

O irmão de Albert falou:

— Ei, quer saber a história de como encontrei você aqui?

— Não — disse Finney. — Não, não, não.
Frank fechou a cara.

— Tá legal. Tanto faz. Depois eu conto, então. Mas está tudo bem agora.

Albert baixou a machadinha na nuca do irmão mais novo com um barulho forte e molhado. A força do impacto fez o sangue saltar para o rosto de Al.

Frank foi caindo para a frente. O machado continuou na cabeça dele, e as mãos de Albert continuaram no cabo. Conforme Frank caía, puxava Al consigo.

Albert caiu de joelhos no chão do porão e soltou uma respiração aguda pelos dentes cerrados.

O cabo da machadinha escorregou das suas mãos, e o irmão tombou de cara no chão com um estrondo pesado.

Albert fez uma careta e deixou escapar um grito estrangulado ao ver o irmão com um machado enfiado na cabeça.

Finney se levantou a um metro de distância. Respirava devagar, segurando o fone com uma das mãos perto do peito. Na outra mão, havia um rolo de fio, o fio que conectava o fone ao telefone preto.

O menino precisou arrancá-lo do aparelho com mordidas. O fio em si era reto, não em mola como o de um telefone moderno. A linha dava três voltas na sua mão direita.

— Viu só? — disse Albert com a voz embargada, irregular. Olhou para cima. — Viu o que me obrigou a fazer? — Então ele notou o que Finney segurava e franziu as sobrancelhas. — Porra, o que você fez com o telefone?

Finney deu um passo na direção dele e bateu com o fone na cara do homem, acertando o nariz de Al.

O garoto tinha desatarraxado o bocal e enchido o fone praticamente oco de areia, recolocando o bocal para manter tudo lá.

Atingiu o nariz de Al com um estalo frágil, como o de plástico quebrando, mas não era o plástico que havia se quebrado. O homem gordo soltou um chiado, um choro abafado, e sangue foi despejado pelas suas narinas. Ele levantou a mão. Finney baixou o fone e quebrou os dedos dele.

Albert deixou a mão destroçada despencar e olhou para cima, um rosnado animal surgindo da garganta.

Finney o acertou outra vez para fazê-lo calar a boca, golpeando a curva sem cabelo do seu crânio. Aqueles golpes produziram barulhos satisfatórios, e um punhado de areia brilhante escapou, sendo lançado no raio de sol.

Gritando, o homem gordo se levantou, cambaleando para a frente, mas Finney desviou — era bem mais rápido que Albert —, acertando-o na boca com força suficiente para fazê-lo virar o rosto, e depois no joelho, para obrigá-lo a cair, para obrigá-lo a parar.

Al foi derrubado, mas esticou os braços e pegou Finney pela cintura, jogando o garoto no chão e indo para cima das pernas dele.

O menino se esforçou para escapar.

O homem gordo ergueu o rosto, sangue pingando da boca, um gemido furioso saindo de algum lugar no fundo do peito.

Finney ainda segurava o fone e três voltas do fio preto. Ficou sentado e pensou em acertar Albert mais uma vez, mas então suas mãos fizeram uma coisa completamente diferente.

Ele colocou o fio ao redor da garganta do homem gordo e puxou com força, cruzando os punhos atrás do pescoço de Albert.

O homem conseguiu colocar uma das mãos no rosto do menino e arranhar sua bochecha direita, Finney puxou o fio mais para cima, fazendo a língua de Albert sair da boca.

Do outro lado do cômodo, o telefone preto tocou. O homem gordo sufocava. Parou de arranhar o rosto de Finney e colocou os dedos abaixo do fio que enrolava a sua garganta. Só conseguia usar a mão esquerda, porque os dedos da direita estavam destruídos, dobrados de maneiras bizarras.

O telefone tocou de novo.

O homem gordo observou o aparelho rapidamente e, então, seu olhar voltou para o rosto de Finney. As pupilas de Albert estavam dilatadas, tão largas que os anéis dourados da íris encolheram até quase desaparecer.

As pupilas eram um par de balões pretos na frente de sóis gêmeos.

O telefone tocou e tocou.

Finney puxou o fio. No rosto de Albert, tão escuro quanto um hematoma, havia uma pergunta horrorizada.

— É para você — informou Finney.

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