Olho por olho

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Supersticioso, papá vivia repetindo que acontecimentos ruins sucediam inocentes sinais aos quais não dávamos importância. E que essa era a forma que Deus encontrou de nos preparar e fazer com que compreendêssemos quem realmente controlava a linha entre a vida e a morte. Para nos lembrar, principalmente, de que éramos mortais. Morte.

Essa era uma palavra que saía muito de sua boca, mas que nunca me causou medo ou estranheza. Até aquele momento. Sentada no chão de terra com o caderno de desenho sobre o colo, eu tive a confirmação de que algo ruim aconteceria no instante em que avistei três carros idênticos e negros, levantando a poeira áspera da estrada cheia de buracos. Com poucos vizinhos ao redor, a maior parte deles distantes o suficiente para que meu pai apreciasse a solidão do qual gostava, não foi difícil concluir que éramos o alvo. E o que para ele era visto com prazer, como ser deixado em paz por todos, para mim, soava como se papá estivesse se escondendo. Do quê e de quem, não fazia ideia.

Observando os carros a uma distância segura, eu me recordei dos últimos acontecimentos. A xícara que derrubei de manhã em nossa cozinha e o  corte em minha mão, que causei ao limpar os cacos de vidro. Inocentes sinais... Tendo memorizado as palavras dele, eu me levantei e corri para dentro da pequena casa.

— Pai?! Pai?! — gritei, encontrando-o no caminho.

Os olhos cor de areia pareciam agitados, assustados de verdade. Não acho que meu pai tenha visto os carros ainda, mas deve tê-los escutado.

— Você sabe o que deve fazer. — Um frio inundou os meus ossos, e eu o encarei. Ciente de que deveria seguir o que planejamos e me esconder, ainda que incapaz de o deixar sozinho.

— Quem são eles, papá? — perguntei apavorada, sem receber qualquer resposta. Apenas um empurrão na direção do esconderijo.

— Por que não pega a sua arma? — lembrei-o, com um filete de esperança.

— A gente pode se proteger... e eu não vou precisar me esconder.

Posso te ajudar. Por alguma razão, eu não fui criada para temer a violência ou até mesmo uma arma quando a visse. Pelo contrário, meu pai fez questão que eu soubesse até mesmo como usá-las. “Se algo me acontecer, você a pega e corre. Não olhe para trás. Não fale com ninguém. Mas, acima de tudo, filha, mantenha-se longe dos malditos Hacker's.” Eu podia ter apenas doze anos, mas não era estúpida como as garotas de minha idade. Sabia quem era Nate hacker, chefe de papá, e mais do que isso, sabia que ele era tão temido por essas bandas que todos abaixavam a cabeça em respeito quando o velho passava.

Ele nunca sorriu ou falou comigo, parecia sempre estar com pressa e mal-humorado. Papá costumava me empurrar para longe dele e de qualquer um de seus homens quando apareciam, era algo que me irritava. Não que o tenha visto muitas vezes, mas foi o suficiente para me dar conta de que ele não era um homem bom... mas sangrava. Tinha pele, carne e ossos. O mesmo coração a bater dentro do peito. E se éramos iguais, por que eu deveria ter medo? “Se continuar pensando dessa forma, você irá se meter em problemas, Aurora. E existem problemas dos quais nem mesmo eu poderei salvá-la.”

— Eu não quero ser salva — falei em voz alta, o pensamento idêntico ao do dia em que meu pai chamou minha atenção por respondê-lo.

— Quero te ajudar, proteger o senhor.

— Você me ajuda mais, se me obedecer.

— Ficamos cara a cara um com o outro, o que me permitiu notar os respingos de suor escorrendo por sua testa. Estendi a mão para limpá-lo, vendo-o cerrar a linha fina de sua boca.

— Lembra-se do que deve fazer quando estiver sozinha?

— Correr — respondi rapidamente.

— E não confiar em ninguém — acrescentou, fazendo-me assentir.

— E se me pegarem? — Eles não irão
— garantiu.

— Agora prometa que não sairá daí por nada nessa vida, Manoela. Não importa o que veja ou o que me façam.

— Mas e se eles te machucarem...

— Prometa.

— Prometo, papá. Envolvi os braços finos ao redor de seu pescoço, mas o som de passos no interior da casa fez com que ele me empurrasse com mais força para dentro da despensa. Fazendo com que eu, não pela primeira vez, duvidasse da capacidade do cubículo apertado me proteger do perigo. Mas era o que tínhamos, então fiz o que combinamos tantas vezes e fiquei quieta. Minutos de silêncio se passaram após a sua saída da cozinha.

então gritos e xingamentos foram ouvidos, até que tudo o que saiu de sua boca foram sons repletos de dor. Palavras sujas foram ditas por uma voz masculina, áspera o suficiente para que cada pelo do meu braço e nuca se arrepiassem. O pânico me invadiu quando um par de botinas passou em frente à fresta da despensa. Depois outro par, e depois outro. Eram muitos homens, e eles pareciam procurar por mais alguém dentro da casa. Ao não encontrarem, arrastaram o meu pai de volta, jogando-o no chão, com o rosto ensanguentado e a pele inteira machucada.

De dentro da despensa, eu assisti ao momento em que o homem de cabelo comprido, apontou em sua testa uma arma semelhante aoque o exército mexicano usava. Não que ele se parecesse um militar, longe disso.

Acho até que era um dos soldados do Sr. Hacker.

— Seu traidor de merda! Papá foi chutado, mas não caiu. Ainda sobre seus joelhos e com os pulsos amarrados na parte e trás do corpo, ele se manteve firme.

— Só há um final para ratos como você, Calixto. Seu buraco nessa terra está agora mesmo sendo cavado.

E ele é profundo, seu filho da puta! Um gemido seco escapou de sua garganta ao ser acertado novamente.

— É nele que iremos enterrar você e cada infeliz a carregar o seu sangue. A ameaça o deixou agitado.

— Está com medo, não é? Papá não tinha medo de nada, e não era um traidor, como o homem malvado dizia.

Não era segredo o final que traidores tinham por aqui. Escutei por anos histórias assustadoras, algumas tão horríveis que não me deixavam dormir à noite. A que meu pai contava sobre a mamãe e o vício que a consumiu, era a que mais me perturbava. Ela não havia morrido, como eu preferia que tivesse acontecido, apenas se perdeu por conta do que ele chamava de oro blanco de la muerte. A verdade é que mamãe era uma mulher da vida; e, pelo tempo em achei que isso significava que ela era esperta, eu estive bem.

Até que descobri que mulheres da vida, eram prostitutas, dessas que se viam nas ruas de Sinaloa, praticamente nuas e com maquiagens carregadas. Desde então, percebi que não queria que ela voltasse para as nossas vidas. Era um pensamento extremista para uma garota da minha idade, mas quando eu odiava alguém era para sempre. Meu pai achava-me vingativa e rancorosa, uma pirralha metida a adulta, como costumava dizer. Eu já preferia acreditar que era apenas inteligente demais para esquecer e perdoar. Com os dedos dormente e doloridos, por causa do contato direto com o chão duro, eu limpei a lágrima, que se formou ao redor de meus olhos antes que escorresse, cobrando de mim uma força que eu sequer sabia existir.

Notas da autora

então que se inicie Sangue real!
•desde agradeço a todos que vão ler, e isso é apenas uma adaptação como disse na descrição a autora original e a Jas Silva.

sempre fui apaixonada nesse livro,e pensei porque não fazer uma adaptação com o nosso Vinnie hacker !

•Se gostou e quer que eu postei mais comentem e deixem seu voto !

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