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O alarme tocou... mais um dia e eu particularmente não queria sair da cama mas a vida adulta não me permite ficar deitada quando a única vontade que eu tenho é entrar dentro do colchão e ser sugada para uma dimensão interior.

Me sentei na cama esperando que um filete de vontade brotasse no meu peito mais ele não veio, respirei fundo e prendi o ar.. hoje seria mais um daqueles dias difíceis, pensei enquanto soltava o ar pela boca criando coragem para levantar.

Já passava das 17h quando eu finalmente sai de casa, eu não trabalhava muito longe então podia ir a pé, anos antes aquele seria o trabalho dos meus sonhos, eram apenas 6h por dia, eu conseguiria estudar, organizar minhas atividades e curtir um pouco a vida mas honestamente, eu não tenho feito nada além de acordar por obrigação, estar em um trabalho que eu não suporto, não sei dizer exatamente se não suporto por ter que trabalhar aos domingos ou se eu só realmente não tenho mais vontade de viver e qualquer mínimo esforço é quase intolerável pra mim.

Respirei fundo e entrei no shopping, eu trabalhava no cinema no ultimo horário então enfrentava todo tipo de coisa, desde adolescentes fazendo algazarra saindo a meia noite da sala até casais extremamente indelicados que eram quase sempre forçados a sair da sala por motivos óbvios.

Diferente do que se pensa quem trabalha no cinema não passa toda a sessão sentado confortavelmente em uma sessão particular, normalmente ficamos sozinhos na recepção quase vazia sendo perturbados uma hora ou outra por algum desavisado que comeu toda a pipoca ou saia a procura de doces.

A verdade é que o trabalho não era intolerável, era só eu no ápice do meu esgotamento mental que já não suportava mais aquele lugar.

— Anna - disse vitória animada - chegou cedo hoje

apenas acenei com a cabeça, não estava em um bom humor para socializar hoje. Meu celular vibrou, era Elton, ele questionava pela milésima vez se eu já tinha chegado no cinema e porque eu ainda não o tinha avisado, olhei a tela e respirei fundo, eu não suportava cobranças.

— Animada pra sessão de hoje? - Caio puxou conversa

— Não muito, todo filme de terror é a mesma coisa

— Lembra quando todo mundo saiu chorando da sala aquela vez? - ele perguntou rindo

— lembro, foi um caos completo - eu disse encenando um caos com as mãos

Caio era meu amigo, o único que entendia minha baixa frequência afetiva e não me fazia cobranças ou me acusava de ser uma amiga horrorosa, uma nota importante aqui, Caio não suporta Elton.

Eu namoro com Elton há quase 7 anos, exceto o fato de a família dele não me aprovar nós vivemos razoavelmente bem, ainda tentei conversar com a mãe dele por algumas vezes e me desculpar por coisas que eu nem sei se realmente fiz ou se são causadoras de motivo para tamanho ódio mas em resumo ela não gosta de mim por pura ignorância e intolerância religiosa.. no fim são só memórias que não valem a pena citar.

— A sessão começa daqui meia hora e logo isso vai começar a lotar então respirem fundo e não surtem - disse Dory, minha gerente e a pessoa mais doce que eu já conheci em toda minha vida, ela me acolheu quase como filha desde que trouxe os meus diagnósticos.

Minha infância não foi sofrida nem difícil, não passei fome nem nenhuma outra necessidade financeira mas o que eu mais precisava eu nunca senti que tive, o afeto dos meus pais, hoje eu entendo que eles fizeram e agiram como sabiam e como podiam mas as marcas que isso causou em mim são inegáveis e eu não consigo lidar sozinha com isso.

Como era sábado, Elton provavelmente já estaria em casa quando eu chegasse então assistiríamos algo juntos, ele provavelmente já deveria ter pedido algo pra comer então eu estava animada para que meu turno acabasse logo, eu queria vê-lo.

Como esse filme era um pouco mais curto eu saí mais cedo, não quis esperar que ele viesse me buscar então fui a pé, eram só 5 minutos caminhando e estava fresco, quase frio talvez até fosse chover durante a madrugada, eu levava na sacola leite condensado, faria um brigadeiro pra ele, eu estava realmente feliz que ele tivesse vindo depois de duas semanas sem conseguir me ver.

O portão estava semi encostado, estranhei e entrei em completo silencio pro caso de ainda ter alguém no quintal ou algo assim, quando passei pela porta ouvi uns ruídos, minha surpresa foi ao acender a luz do quarto e encontrar Elton na cama e não estava sozinho, maior não foi minha surpresa ao observar que com ele estava Samanta, uma amiga de trabalho que eu detestava. 

Achados e PerdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora