Parte 2

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Recomeço

Acordei com um peso sob minha cintura e já sabendo do que se tratava levei minhas mãos aos quadris de Michele, mantendo meus olhos fechados.

— Acorda, sua preguiçosa. Pretende governar o Brasil desse jeito? — Ouço sua risada e dou um leve tapa em sua bunda, a confrontando. Muito engraçada.

— Você acorda o Jair dessa forma também? — Bocejo, finalmente abrindo meus olhos. Faço força para ficar sentada na cama, mantendo ela em meu colo.

— Não quero que o mencione, já disse isso. — Diz, brava. Acabo sorrindo.

— Tudo bem, primeira-dama. — Beijo a pontinha de seu nariz e ela desfaz a cara emburrada.

— Agora, antes de você se arrumar... — Coloca os braços ao redor de meu pescoço — Seu café da manhã.
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Eu sei, é ruim. Candidata a presidência dormindo com a esposa do então presidente... Mas eu mentiria se dissesse que ligo para os chifres de Jair. Ele faz o mesmo que ela e ainda a obrigada a interpretar o papel de esposa perfeita num casamento de propaganda de TV.

Depois do nosso precioso tempo em minha cama naquela manhã, Michele foi embora e pouco tempo depois eu fiz o mesmo. Tinha coisas para resolver.

Estava nervosa, pois sabia o que me esperava. Quem me esperava. Quando decidi encarar esse desafio pelo meu país já tinha em mente que ele não seria o único que eu viria a enfrentar. Minha candidatura colocaria em jogo não só minhas noites de sono mas também movimentaria as correntes que coloquei envolta de meu coração.

Já tinha me encontrado formalmente com Simone algumas vezes depois de nosso rompimento anos atrás, e por mais que tenha sido difícil respirar de forma saudável perto dela nunca ficamos sozinhas o bastante para confrontar nossos sentimentos.

Ela sempre foi uma ótima atriz, e eu finjo muito bem também ser. Ela interpreta tão bem o papel que as vezes me pergunto se aquilo tudo realmente aconteceu ou foi apenas fruto da imaginação fértil de uma universitária apaixonada, mas quando fecho meus olhos tenho a certeza de que foi real, pois consigo lembrar do seu gosto em minha língua.

Anos antes, apartamento de Simone;

— Você é a mulher mais bonita do brasil, Simone. Talvez do mundo inteiro... — Beijei seu ombro, sentindo o cheiro bom de seu perfume.

— Só diz isso porque está apaixonada, querida... — Ela ri, deitando de lado para olhar para mim — Veja, estou velha e...

— Divina. Perfeita. Gostosa. — A interrompo, listando inúmeras definições para a deusa ao meu lado — O que mais? Deixa eu ver... Inteligente, boa de cama...

— Soraya, pelo amor de Deus... — Ela começa a rir, cobrindo o rosto com a mão.

— A melhor professora que alguém poderia ter... — Seguro sua mão, tirando-a de seu rosto. Aproximo meus lábios de sua bochecha, deixando um leve beijo ali — Sim, digo isso porque estou apaixonada... — Beijo o canto de sua boca — Mas mesmo se eu viesse a odiá-la continuaria achando a mesma coisa. — Finalmente invado aquele espaço com minha língua, sentindo a eletricidade do beijo percorrer minha espinha.

Simone segurou minha nuca, querendo aprofundar o beijo e explorar minha boca com mais precisão. Nunca me cansava de possuí-la e ser possuida por ela. Tínhamos acabado de transar e eu já queria estar entre suas pernas outra vez. Eu moraria entre elas se fosse possível.

Desci minha mão até sua calcinha, tocando-a de forma inusitada e fazendo com que ela gemesse entre o beijo, consequentemente o interrompendo. Seus olhos escuros foram de encontro aos meus como uma advertência e eu sorri perversamente.

— Você é uma excelente aluna. Uma mulher insaciável também, Soraya Thronicke... — Balança a cabeça negativamente — Orgulhosa, pois não divide... — O rosto que estava sério ganha uma nova feição; feição que eu conhecia muito bem. Aquele lado de Simone sempre me surpreendia — Quero que sente em minha cara, agora.

— Simone... — Engulo seco, sorrindo sob meu desespero.

— Não estou pedindo, Thronicke. — Diz de forma ríspida e instigante, e como uma mulher obediente eu faço o que ela ordena.

Dias atuais, bastidores do primeiro debate presidencial;

— Soraya, preciso checar o seu microfone! — Um dos integrantes da produção vem até mim de forma agitada. Enquanto ele mexia no equipamento instalado em minha blusa eu observava o outro lado do cômodo, onde a figura confiante de Simone se encontrava.

Desviei o olhar para as outras pessoas presentes quando ela me olhou de volta e sorriu. O que ela estava pensando? Claro... Deve agir como se nada tivesse acontecido para parecer que realmente não aconteceu.

Certo, eu precisava fazer o mesmo. Tenho que agir da forma certa e escolher as melhores palavras. Tenho que enxergar Simone como a inimiga, como minha rival, pois é isso que ela é.
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O debate teve início e eu estava tensa, mas não nervosa. Eu sabia o que deveria falar e estava preparada para toda e qualquer pergunta, mas infelizmente, quando se trata de Tebet eu nunca sei o que irá acontecer.

Eu prometi nunca mais olhar para ela, e aqui estou eu tendo que fazer isso de forma mais profissional possível, em prol da nossa posição.

As perguntas começaram e as vozes graves dos outros candidatos preencheram o ambiente, mas não meus ouvidos. Eu olhava para todos os lados, mantinha e pose e regulava minha respiração, mas a verdade é que eu nada ouvia.

Até chegar a minha vez. Como eu faria a pergunta para Simone sem olhar para ela? Era impossível. As palvras saíam de minha boca e ela prestava total atenção à elas. Talvez assistindo de fora você diria que eu estava impecável, mas meus malditos olhos sempre me entregam. Simone costumava achar engraçado a forma como eu os pisco tantas vezes seguidas quando estou tensa.

Ela respondeu a pergunta brandamente e eu agradeci internamente quando pude finalmente voltar ao meu estado de dormência, mas logo tive que voltar ao inferno novamente. Era a vez dela.

— [...] Dei aula há 12 anos de direito administrativo, de como é que se administra o estado... — Malditos olhos trapaceiros. Eu concordava com a cabeça, tentando manter a serenidade — O país... E tive o privilégio de tê-la como uma excelente aluna.

Não, Soraya, você não pode sorrir. Droga. Eu estava sorrindo. Como aquelas simples palavras conseguiam despertar em mim tantos sentimentos e lembranças? Cada letra pareceu descongelar momentos calorosos, provocando um sorriso que eu nunca conseguiria prender.

Abaixei meus olhos e retomei a postura para ouvir o resto da pergunta, mas por um momento pensei que nunca mais conseguiria erguê-los outra vez.

Simone finalizou e eu respondi, tentando imaginar que éramos desconhecidas. Me ajudou a concluir minha fala naquele momento, mas ao final do debate minha barriga embrulhou e em pouco tempo eu estava no banheiro observando a água escorrer entre minhas mãos.

Como ela pode ter dito aquilo? "Excelente aluna"... Ela sabe o poder que estas palavras tem sobre mim, e ter dito elas em público foi um golpe baixo. Ela sabia o que estava fazendo.

Meu Pior Pesadelo | Simone & SorayaOnde histórias criam vida. Descubra agora