Nas primeiras horas da noite, os camarins dos pubs da rua dos cascalhos eram todos iguais. Péssima iluminação, uma infinidade de trajes exóticos jogados em seus cabides nas araras de roupas, e uma nuvem densa de fumaça tomavam conta do ambiente.
Atrizes usando plumas e dançarinas de collant corriam apressadas, procurando seus figurinos e as maquiagens que chamaria mais atenção em seus rostos magros e belos enquanto vários "cavalheiros" as "conquistavam".
Em meio ao tumulto, Maria estava sentada, com a perna esquerda sobre a direita, num banco desconfortável de uma penteadeira que ficava num canto empoeirado. Sobre a penteadeira havia um cinzeiro, um copo de whisky com gelo e um frasco de tinta preta. A moldura do espelho da penteadeira era ornado com lâmpadas amarelas foscas que lhe transmitiam uma fração da emoção do que era ser uma estrela.
Maria trajava um curto vestido azul real, justo e franjado. Usava brincos e um colar de pérolas falsificados, anéis e sapatos de salto alto. Ela segurava com a mão esquerda uma longa piteira, na qual fumava um Lucky Strike, enquanto escrevia algo com uma caligrafia admirável numa folha de papel.
Por vezes, ela virava seus castanhos olhos amendoados. Eles percorriam o ambiente, podendo ver todas aquelas mulheres entrando, após mais um show, e saindo para realizarem um novo espetáculo. Será que todos esses sorrisos encantadores são verdadeiros? Vocês são reais?
— Cinco minutos, madame Pérola — anunciou uma voz masculina
Ao perceber que ficara apenas ela no camarim, ela terminou de escrever e dobrou cuidadosamente a carta para Érico Paloma. Ela a guardou dentro de seu sutiã e deu um profundo trago no cigarro, dando uma longa baforada enquanto encarava seu reflexo produzido pelo espelho. Seu olhar tinha uma sombra marcante e seus lábios haviam sido pintados com batom carmim.
Maria ficou alguns minutos observando a si mesma. Odiava aquela maquiagem forte e só não a odiava mais porque direcionava-o, quase em sua totalidade, a peruca chanel de cabelos negros que era obrigada a usar em suas apresentações. Aquela coisa coçava como se estivesse repleta de piolhos.
Ela apagou o cigarro no cinzeiro e voltou sua atenção ao seu severo reflexo. Então, ela estampou o melhor sorriso que conseguiu fazer, exibindo sua dentição perfeita, mas logo seus lábios retornaram a encontrar-se no centro de sua boca. Para ela, sorrir não era mais tão fácil como costumava ser. Sua alma e corpo carregavam feridas que eram difíceis de serem tratadas e elas haviam infeccionado. Por essa razão, ela escreveu a carta a Érico.
Maria tornou a forçar o sorriso e, dessa vez, quase conseguiu sustentá-lo por um minuto. Porém, ele se desvaneceu, dando lugar ao semblante sério. Uma lágrima solitária de ira e tristeza brotou em seu olho direito e ela a permitiu escorrer com delicadeza em seu rosto.
— Um minuto, madame Pérola — retornou a anunciar a voz.
Ela enxugou a lágrima e fez o retoque onde ela borrara. Pegou o copo de whisky e trajou a bebida, deixando-a queimar a garganta. Acho que vou precisar de uma garrafa inteira.
Virando-se no banco, ela pegou uma tiara de paetês com uma pluma da mesma cor do vestido e a colocou sobre a peruca. Sorriu mais uma vez para seu reflexo, mas esse não durou tanto quanto o anterior. Levantou-se e saiu do camarim.
Percorrendo o corredor, ela pode ouvir:
— Agora, a melhor atração da noite! — exclamava um homem. — Aquela que produz o som de águas chocando-se com os cascalhos, a esplêndida voz do blues, a formidável Pérola Rose!
Chegando no topo da escada do pub, ela foi aplaudida e ovacionada por homens de todas as classes e grupos sociais.
Então, inspirando em sua cólera, ela sorriu e cantou.
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A Formidável Pérola Rose
Short StoryNenhum brilho se compara ao que emana da pérola; nenhuma flor exala perfume melhor que a rose e nunca ouviu-se falar de poder maior que o impregnado na voz daquela que canta na rua dos cascalhos. Porém, esse conto não é sobre a joia, mas é sobre que...