Almas gêmeas

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Às 11h11 da manhã, a neve caía sobre as folhas já sem vida. 6h66 o relógio poderia marcar, se ele assim permitisse, mas não podemos atribuir vida a todas as coisas. Panos a cobriam da cabeça aos pés – talvez ainda pudessem vislumbrar a ponta de sua orelha esquerda, esquecida junto ao frio. Um tanto quanto perdida, vagou até o seu rumo, uma cafeteria de nome já apagado, mas muito bonita. Aconchegou-se entre as quatro paredes esverdeadas, com pequenos detalhes florais, e gentilmente pediu um café. Olhou para os lados; sua mente, como uma câmera fotográfica, tratou-a de deixar a par de tudo que por ali havia: um bebê, que tranquilo descansava, um casal de garotas, que parecia celebrar algo especial, e uma mulher de cabelos loiros, que pacientemente parecia esperar por alguém.

Voltou-se ao jovem de cabelos curtos que erroneamente pronunciava o seu nome, indicando que o seu café estava pronto. Acostumou-se a isso. Por vezes repetia sozinha de qual forma se apresentaria para os outros, de forma que o soar equivocado não lhe parecesse tão estranho. Agradeceu ao rapaz – Laurence, dizia o pequeno broche ao lado esquerdo do peito – e com as mãos enluvadas recebeu o copo molenga. Dirigiu-se em passos calmos para a porta de vidro, com os olhos fixos em seu café, receosa de que acabasse deixando o material de qualidade duvidosa escapar por entre os seus dedos.

De repente, esbarrou em alguém, quase indo ao chão. Por sorte (ou azar, a julgar pela ótica instável), manteve-se de pé e, graças ao seu bom equilíbrio, o copo também. Com um toque rígido em suas costas, ajeitou-se, percebendo que uma luva preta a tocava, ajudando-a a se recompor. Os olhos verdes que ora odiava se prenderam aos seus, meneando palavras que a boca rosada não parecia ser capaz de dizer.

– Perdão – ele a soltou. Ainda que sem reação, ela quis rir, mas não o fez. Em situações de visível desespero a menina sempre dizia perdão ao invés de um simples desculpe, não por julgar mais eficiente, era algo natural. – Estou atrasado, não a vi.

– Tudo bem – sorriu minimamente, perguntando-se se a reação estava de bom tamanho.

Ele nada mais disse: entrou na cafeteria e cumprimentou a mulher loira que a mente da menina guardou. Com os olhos castanhos fortuitos, ela os acompanhou até o caixa, olhando-os através da vidraça. Laurence se concentrava nas palavras da garota agarrada ao sobretudo de botões igualmente pretos do rapaz, enquanto ele, com olhos igualmente fortuitos, sentia o coração derrapar ao ver que a moça ao lado de fora o encarava. Ela apertou o copo com certo cuidado – ainda queria beber o café e rezava para que não tivesse esfriado – e com o castanho do olhar, despediu-se, assim, sem nada a dizer.

Para ele nada restou senão a dúvida da companheira entre um latte ou um frappuccino, um Laurence com semblante cansado e um certo alguém sem nome. Para ela, um café – a contragosto – gelado, as ruas frias de Toronto sob a cela de uma bicicleta e um par de olhos verdes sem identificação.

E para mim, uma história sem final. E nada mais.

Localização: cafeteriaOnde histórias criam vida. Descubra agora