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Miguel não podia negar que havia estranhado um pouco quando ouviu falar sobre regressão pela primeira vez. A ideia de que alguém podia simplesmente entrar em um estado psicológico em que se tornasse uma criança novamente não fazia sentido para ele, parecia uma bobagem. Mas depois de conversar com Nessa e ouvir da psicóloga que era uma prática comum e que era terapêutica para quem tinha traumas e problemas psicológicos ligados à infância, ele deixou o preconceito de lado e procurou saber mais.

Depois que pesquisou bastante e se informou sobre o assunto, perguntou a Robby se ele já havia tentado algo assim e o que ele achava da ideia. Miguel sabia que Robby tinha muitas questões não resolvidas com a infância e que talvez pudesse ressignificar algumas coisas se pudesse se reverter àquela idade. No início, Robby ficou desconfiado e disse que não gostava da ideia. Miguel não disse mais nada, jamais iria pressionar o namorado de qualquer forma que fosse.

Quase um mês depois, estavam sentados no sofá vendo um filme de ação genérico e Robby voltou ao assunto, subitamente. Disse que tinha pensado muito e que queria tentar, que havia recusado por vergonha e porque não queria se sentir bobo ou parecer que estava se fazendo de vítima. O coração de Miguel ficou apertado ao ouvir aquilo, a última coisa que Robby fazia era se vitimizar, ele sempre aguentava muito mais do que deveria.

Da primeira vez que tentaram, Robby regrediu apenas até nove anos. Já era um passo enorme, mas era uma idade em que ele era relativamente independente e podia se comunicar com muita facilidade. A única coisa que haviam combinado previamente - além de ter tudo que fosse necessário para caso algo desse errado, claro - é que ficariam em casa naquele dia. Estavam um pouco inseguros sobre o que aconteceria e não queriam correr riscos. Miguel achava que seria algo totalmente interno, mas se chocou ao perceber a mudança imediatamente. Era como se Robby fosse outra pessoa. Bem, a mesma pessoa, mas como se realmente fosse uma criança de novo. Era impressionante. Chamá-lo de campeão apenas lhe rendeu um suspiro triste, como se houvesse algo errado mas fosse cansativo falar sobre. Miguel tentou várias formas de se dirigir a ele até achar uma que ele gostasse, que o fez rir contente, apesar do comportamento tímido que demonstrava desde que havia regredido.

"O que você quer fazer, monstrinho?"

"Brinca comigo?" Ele pediu baixinho, arrastando um dos pés no tapete para controlar a ansiedade. Provavelmente havia recebido muitos nãos para essa pergunta e já estava receoso. Era exatamente isso que Miguel estava ali para mudar.

"Claro! Do que você quer brincar?" Miguel perguntou, animado.

Robby olhou para ele com aqueles olhos verdes brilhantes e surpresos, como se nem acreditasse no que tinha ouvido. "O que eu quiser?"

"Sim, mas tem que ser aqui em casa. Lembra que combinamos não sair hoje." Miguel disse.

"Esconde-esconde?" Robby disse em dúvida, depois de pensar bastante.

"Você quer se esconder ou procurar?" Miguel perguntou, e Robby pareceu ansioso, respondendo um pouco rápido demais. "Procurar."

"Ok. Você conta até 30 e eu vou me esconder. Mas não rouba!" Miguel avisou, rindo.

"Claro que não!" Robby disse ofendido, dando a língua para ele de forma adorável, fazendo o moreno rir.

Miguel se escondeu atrás da porta da cozinha e assim que Robby foi para o outro lado da sala procurá-lo, ele se aproveitou de ter pernas mais longas e correu para bater no local designado, ganhando o jogo. Robby era realmente um docinho e aceitou perder muito bem, Miguel era muito mais competitivo quando tinha essa idade. Achou que ele ia querer trocar papéis, mas Robby balançou a cabeça enfaticamente quando ele perguntou. Miguel se escondeu mais duas vezes e depois se sentou no sofá ao lado de Robby e perguntou, com todo o jeitinho que podia, por que ele não queria se esconder.

Robby apenas olhou para o chão, com as duas mãos juntas em seu colo, mordendo o lábio inferior ansiosamente. "Você pode falar comigo, eu prometo." Miguel disse. E foi assim que Miguel descobriu que durante as regressões, Robby falava de várias coisas que jamais falaria em condições normais.

"Mamãe... esqueceu de me procurar." Ele disse, com a voz trêmula. Miguel apenas segurou sua mão e encorajou ele a contar mais.

"Onde você estava?"

"No armário..."

"Quanto tempo você ficou lá?"

Robby demorou um pouco mais para responder dessa vez, o rosto corado de vergonha por algo que nem era culpa dele, e voz de choro. "A noite toda. Eu cansei e acabei dormindo. Ela brigou comigo quando eu acordei."

Miguel queria gritar, mas obviamente isso assustaria Robby, então ele apenas sorriu e o abraçou, fazendo carinho em sua cabeça até ele se acalmar. Depois se levantou e disse, novamente animado:

"Vai se esconder, Robby. Eu prometo que não vou esquecer. Tô prestando muita atenção. É só até 30, melhor você ser rápido!" Miguel desafiou.

"Você promete mesmo?" Ele perguntou, inseguro.

"Eu juro!" Miguel disse, oferecendo o dedo mindinho para Robby saber que estava falando sério. Robby retornou o gesto, selando o juramento e deixou Miguel contando na sala enquanto se escondia. O mais alto terminou de contar e foi procurar, vendo Robby mexer o pé embaixo da cama, claramente esquecendo que seu corpo não era o de uma criança de nove anos e chamava mais atenção do que ele pensava. Quando ele viu que havia sido encontrado, tentou sair e chegar a tempo, mas Miguel correu mais e bateu três vezes no local da contagem, ganhando novamente. Robby estava rindo e muito feliz, nem parecia ter perdido.

"Posso me esconder de novo? Vou ser melhor dessa vez!" Ele perguntou, com olhar de cachorrinho.

"Tá, tá. Vai logo!" Miguel disse, fazendo drama e voltou a contar. Depois de três tentativas, Robby finalmente ganhou.

"Suas pernas são enormes, assim não vale." Robby disse, rindo.

"Foi você que escolheu o jogo!" Miguel o lembrou.

"Tem razão. Vou escolher outra coisa depois. Se... você vai brincar comigo de novo?" Robby perguntou, com a timidez retornando.

"Claro, monstrinho. Sempre que você quiser. Mas hoje não, acho que tá na hora de dormir." Disse, notando os bocejos frequentes do mais baixo. "Eu deixo você tomar banho de manhã."

Miguel disse para Robby ir para o quarto, trocar de roupa e deitar enquanto ele desligava as luzes e pegava água para deixar ao lado da cama. Robby vestiu o pijama que Miguel havia encomendado para ele, era verde e imitava uma fantasia de dinossauro. Miguel riu, era a coisa mais fofa que já tinha visto. Robby deitou e se cobriu, esperando Miguel sentar ao lado dele para dar boa noite. O moreno havia planejado dormir no quarto ao lado, mas Robby disse que não queria ficar sozinho, então ele se deitou ao lado dele e se preparou para dormir também.

Quando estava pronto para dormir, ouviu a voz de Robby dizer docemente:

"Miguel..."

"Hm?" Ele respondeu, paciente.

"Obrigado por me encontrar."

Miguel abriu os olhos imediatamente após ouvir o sussurro, encarando o rosto vulnerável à sua frente. Olhou bem no fundo dos olhos de Robby, deu um beijo em sua testa e disse, tentando conter a emoção.

"Sempre. Eu nunca vou deixar você perdido, eu prometo."

Ele guardaria eternamente na memória o sorriso aliviado que recebeu antes de Robby pegar no sono.

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Pedido da ThiamPack, espero que goste! 💖🌹






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