07 | think I'm unfit

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Oh, você não acha isso estranho?
A única coisa que compartilhamos é um último nome
Eu te venci no seu próprio jogo?
Típico de mim envergonhar a todos

The Family Jewels - MARINA

18 de julho de 2021Atenas, Grécia

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18 de julho de 2021
Atenas, Grécia

Becky revirava o jantar depois de mal ter comido duas garfadas dele. Era um prato típico da Grécia que a garota não sabia pronunciar o nome, mas em sua essência aquilo nada mais era do que almôndegas crocantes com tomate cereja, hortelã, orégano e pimenta.

Ela preferia um hambúrguer com batatas fritas e guaraná para o jantar, mas estava ciente de que a mãe nunca permitiria essa troca de refeições e que lanches assim - pelo menos os bons - não eram facilmente encontrados na capital grega. Além disso, não era o que tinha sido escolhido para o jantar que a incomodava.

Sentada à frente da mãe e à esquerda do pai na extensa mesa de vidro e pés de mármore branco, Becky observava como os seus progenitores pareciam se encaixar na casa recém-comprada. A típica casa grega com paredes lisas e decoração em azul combinava com a personalidade sofisticada de seus pais tanto quanto o helicóptero que estava em seu devido lugar na propriedade de muitos quilômetros quadrados. Eles exalavam dinheiro, imponência e diante das câmeras, eram uma família pequena e feliz.

A filha única se perguntava o porquê de não ter tido irmãos mesmo quando pedia por eles, mas à medida em que crescia, ficava mais claro o motivo pelo qual tinha sido melhor não tê-los.

Becky sabia que os pais a amavam, mas infelizmente a forma como demonstravam isso não era a mais sensata.

— Eu queria falar sobre uma coisa com vocês — ela disse, deixando o garfo cair sobre a aba do prato e o som agudo chamar a atenção dos mais velhos.

A mãe, sempre majestosamente educada, usou o guardanapo de tecido para limpar a boca sem qualquer resquício de sujeira e terminou de comer calmamente, lançando um olhar para filha como se lhe dissesse que ela deveria esperar o fim da refeição para tratar sobre alguma coisa. O pai bebeu um pouco mais de vinho branco e deu sua atenção à garota, empurrando o prato como se já tivesse satisfeito.

— É sobre a faculdade.

— Você já não havia decidido ficar em Boston? — Gisele perguntou.

Quando as primeiras cartas começaram a chegar, Becky avisou aos pais para quais havia sido aceita. A de Harvard demorou um mês a mais para chegar e ela sabia que não fazia parte dos 5% de alunos aprovados por conta da demora. Felizmente os mais velhos não poderiam ficar tão decepcionados por isso, afinal, nem mesmo eles haviam estudado na mais notável universidade estadunidense.

— Sim. — Becky viu um vislumbre do pai torcendo o nariz. — Mas é sobre o que vou cursar…

— Como assim?

Murilo carregava as linhas de expressão que denunciavam sua idade, embora os cabelos quase completamente grisalhos fossem um charme. Becky olhou para o mais velho e se concentrou na linha que se desenhava entre as sobrancelhas franzidas do pai. Ele parecia saber exatamente o que sairia da boca da filha.

— Eu estava um pouco confusa sobre o que fazer até o início desse ano e sei que deixei vocês pensarem que escolheria um curso de Exatas ou Ciência Biológicas, mas não é o que quero. — Becky olhava para o rosto impassível dos pais. — Me interessei pela área da comunicação, principalmente na internet, onde qualquer um que queira ser bem sucedido precisa de um gestor de imagem. Vocês viram o que fiz pelo hotel da avó de Luiza, ela me disse hoje mesmo que o Castelo Azul nunca recebeu tantos hóspedes em baixa temporada e… É isso o que quero fazer.

Rebecca suspirou ruidosamente depois de passar quase um minuto inteiro se justificando. Gisele coçou a garganta e olhou para o marido, a filha soube que seria trabalho do pai lhe informar a desaprovação deles.

— A internet passa, Rebecca. Você não pode ir para uma faculdade e cursar algo que não vai te dar nada de volta assim que as pessoas se cansarem daquele produto — Murilo argumentou, olhando-a com seriedade.

— Confie em mim, emprego é o que não vai faltar. Pai, qual é, o senhor mais do que ninguém sabe que toda empresa precisa de uma equipe que saiba as estratégias de relacionamento com o público. Talvez eu até conseguisse ter a minha própria empresa.

— Essas coisas não se constroem da noite para o dia. Além disso, Los Angeles já parece estar abastecido demais com empresas de mídia digital, se é isso que está tentando nos dizer sobre o que quer fazer.

Gisele sacudiu a cabeça em concordância ao marido.

— Influenciadores não são a espécie mais digna que existe, na verdade, estão longe disso. Você vai querer ter seu nome vinculado quando algum deles sofrerem o tal cancelamento que a internet tanto adora proporcionar?

Becky pressionou os olhos que doíam por segurar as lágrimas. A cabeça estava latejando e seu coração batia na garganta, ardendo suas cordas vocais mesmo que não tivesse fazendo esforço com elas.

Ela sabia que seus pais não dariam o apoio quanto a profissão escolhida, mas ter que ouvi-los duvidar de sua capacidade era bem pior.

— Toda profissão tem suas dificuldades, mãe. Se você pensasse que teria que negligenciar a sua filha em prol da carreira ou que iriam te subestimar como profissional por ser mulher e ter vindo do Havaí e como isso afetaria sua saúde mental, eu tenho certeza que você pensaria duas vezes antes de escolher a diplomacia.

— Já chega — Gisele disse com a voz trêmula. Os itens sobre a mesa pularam assim que ela bateu na superfície de vidro. — Nós queremos que você seja bem-sucedida nessa vida e as circunstâncias em que viveu te deram tudo para ser quem quiser. Não aceito que reclame agora sobre o que fizemos ou deixamos de fazer só para provar o seu ponto.

— Ser quem eu quiser? — Becky riu, o sarcasmo escorrendo de sua voz tanto quanto as lágrimas em suas bochechas. — Ser quem eu quiser abaixo do que vocês já haviam pré-decidido para mim, não é? Eu sei que vocês gostariam de me exibir como a porra de um troféu… mas cansei de estar disposta a ficar na maldita prateleira.

— Esse não é o tipo de palavreado que nós aceitamos nessa casa, Rebecca. Suba para o seu quarto — Murilo ralhou colocando-se de pé na ponta da mesa.

— Casa. Eu queria saber o conceito de casa para vocês.

— AGORA!

Becky pulou ao ter o pai gritando muito perto de seu rosto e apontando o dedo para as escadas.

Aquilo era novo. Murilo costumava ser passivo-agressivo, era a primeira vez que o via tomando a posição de homem que esperneia quando está decepcionado com o filho.

A garota não permaneceu na cozinha para vê-lo arremessar um vaso de porcelana na parede.

Já no quarto, Rebecca pegou seu celular e correu para se trancar no banheiro. Teclou o número do tio e não conseguiu conter a voz embargada ou o soluço para falar quando ele atendeu.

— Eu quero ir embora — ela sussurrou enquanto seu coração se partia pela primeira vez.

DEAR DIARY | MATT STURNIOLOOnde histórias criam vida. Descubra agora