O sangue escorre pelos meus dedos enquanto me afasto do fogo. Cada parte de mim, cada músculo em meu corpo e cada batida do meu peito parecem gritar de horror. Estou cansado, de joelhos na areia que um dia foi um conforto para mim, mas que agora torna-se um símbolo do meu remorso.
Minha missão neste lugar, depois de tanto tempo de espera, deixou de ser um sonho e se tornou o meu maior pesadelo. É engraçado como tantas coisas mudaram em apenas três dias. Antes, nós éramos quatro amigos em uma nave e agora somos uma história da qual nenhum cientista gostaria de se lembrar. Enquanto estou no chão, minha mente retorna ao dia em que chegamos...
***
Depois de hoje, vocês não serão mais os mesmos. Foi essa frase que ouvimos quando entramos para o Programa Galileo, dez anos atrás. Naquele tempo, eu ainda era um jovem piloto, sem a menor ideia do que poderia acontecer. Cinco anos depois, nos disseram a mesma frase, quando iniciamos o treinamento prático. Por fim, repetiram a mesma mensagem quando embarcamos na Explorer29 rumo ao desconhecido. Naquele dia, eu ainda não tinha certeza do que sentia - se era medo ou empolgação -, mas eu sabia que, dessa vez, eles estavam certos. E aqui estamos, após cinco meses de viagem, diante do nosso destino, e eu estou certo de que, realmente, não seremos mais os mesmos.
Conforme nos aproximamos do planeta, não escuto nada além dos meus batimentos cardíacos, cada vez mais rápidos. O que semanas atrás era uma distante e singela figura no meio do espaço agora se torna um gigante majestoso. É como se esperasse pela nossa chegada, pronto para ser explorado. Sua aparência é ainda mais impressionante do que as imagens dos satélites, com suas montanhas alaranjadas e seus grandes oceanos.
Sinto um toque macio em minha mão direita e consigo escapar, por um momento, do transe. Quando me viro, os olhos de Mina encontram os meus. Seu rosto está atônito e suas lágrimas transbordam deslumbre.
- Nós conseguimos, Rael - ela diz - Nós estamos aqui.
Nos minutos seguintes, nos tornamos os primeiros humanos a pousar no planeta Marantis.
Dia 1
Antes que a porta se abra pela primeira vez, pego em minhas mãos trêmulas o gravador de áudio e preparo o microfone.
- Aqui quem fala é a Equipe Galileo53. Acreditem ou não, nós conseguimos. Estamos prestes a conhecer, finalmente, o planeta Marantis, mais conhecido como Gigante Laranja. Eu sou Rael Novasque, engenheiro, e estes são os meus incríveis colegas de pesquisa.
Cada um deles faz uma saudação com "Olá terráqueos" e com a sua qualificação. Um líder astrofísico, um biólogo e uma engenheira aeroespacial.
- A primeira mulher a pisar em um planeta habitável além da Terra - diz Mina - Um ponto pro Japão.
- Já preparem a estátua com o nome dela - digo - E coloquem junto da minha, pois somos o primeiro casal de noivos de Marantis. Um ponto pro Brasil.
- Eu sou o primeiro apressado de Marantis - diz nosso líder - Então, vamos abrir logo a porta, meus amigos.
Assim que as luzes de segurança se apagam e a porta se torna uma rampa, sinto o vento bater em meu traje, que se ajusta à temperatura ambiente em poucos segundos. Nós saímos da nave e encaramos a vastidão de terra e água ao nosso redor. Estamos perto de uma praia que poderia ser confundida com qualquer uma da Terra, não fosse pela aparência desértica, sem árvores à vista; além da água, há apenas os montes alaranjados.
Durante quase uma hora, verificamos as condições do local. Meu termômetro indica a temperatura de 15° C, meus aparelhos auxiliares classificam a radiação do lugar como não prejudicial e os cálculos sobre a gravidade mostram-se corretos. Meus colegas fazem as mesmas avaliações e todas estão de acordo com as minhas. Conforme as previsões, está determinado: o planeta é seguro e sua atmosfera é parecida com a da Terra.
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Visão Turva
Science FictionRael faz parte da primeira equipe que foi capaz de chegar ao distante planeta Marantis. No início, o explorador e seus colegas ficam maravilhados com o lugar, porém ao deparar-se com uma descoberta sinistra e intrigante, Rael percebe que certos luga...