As Lendas de Odrite - A Batalha do Vale de Fogo

O Comboio da Alvorada

   Aquela era uma noite fria de outuno. O vento gelado agitava a relva do Vale Cinzento. O silêncio era constantemente interrompido pelo assobio das rajadas de ar e do canto desordenado de algumas cigarras. No alto de uma pequena colina, Radhael estava sentado com seus olhos fixos no céu estrelado. Faltava poucos dias para que a lua ficasse completamente cheia, mas o seu brilho já era o suficiente para iluminar toda aquela região. 

   A mente de Radhael parecia estar em um lugar completamente diferente, cruzando rapidamente muitos pensamentos e lugares no passado, através de lembranças aparentemente dolorosas, pois a todo momento seus olhos marejavam e uma lágrima ameaçava escorrer pelo seu rosto. Seus cabelos de tom avermelhado, uma herança da família de seu pai, quando agitados pelo vento pareciam chamas a dançar sobre sua cabeça. Repentinamente ele foi trazido de volta ao momento presente ao ouvir ao longe uma voz  que chamava pelo seu nome. 

   Sua mão foi instintivamente levada ao punho da espada que repousava ao seu lado, mas logo ele a soltou ao perceber a familiaridade daquele voz que se aproximava rapidamente. Com um movimento rápido Radhael se pôs em pé, ao mesmo tempo que limpava o rosto discretamente. Ao olhar para trás ele viu um jovem que vestia roupas simples e cuja cabeça raspada inevitavelmente atraía a atençao dos olhos. O jovem corria numa velocidade considerável e só interrompeu seu avanço ao chegar bem próximo. Ele parou durante alguns segundos para recuperar o fôlego, pois estava muito ofegante. Após a pausa o jovem fez uma breve reverência e disse – Meu senhor. Brinkod e Quinth retornaram há alguns instantes. Todos já estão se dirigindo para a tenda principal e o aguardam. 

   Radhael assentiu enquanto prendia sua espada em seu cinto. – Muito obrigado Maelstan. Já estou a caminho.

   O jovem sorriu e esboçou uma nova reverência desajustada. Ele se virou e voltou correndo na mesma velocidade com que tinha se aproximado. Radhael deu uma ultima olhada para o céu e depois voltou seus olhos para o acampamento que se projetava entre as colinas, algumas centenas de metros a frente. Após uma respiração profunda e demorada, ele se pôs a caminhar em diração ao acampamento. 

   Conforme se aproximava o burburinho ficava cada vez mais audível. Os poucos homens que ele observou ao longe se dirigiam apressadamente à uma grande tenda de tom esverdeado no meio do acampamento. Pareciam vir dali todos os sons da nítida baubúrdia. Ao se aproximar do local, Radhael afastou o tecido na entrada da tenda com uma das mãos enquanto a outro permanecia apoiada na empunhadura de sua espada. Ao adentrar o local, num instante os olhares se voltaram para ele e um silêncio quase constrangedor tomou conta do ambiente. 

   Ali dentro, cerca de trinta homens estavam reunidos em volta de uma grande mesa retangular feita de madeira de carvalho, onde estavam dispostos muitos mapas e pergaminhos. A iluminação era proporcionada por tochas sustendas em suportes de metal nos quatro cantos da tenda. Radhael se dirigiu até uma das pontas da mesa enquanto os homens abriam caminho para sua passagem. 

   Ele desafivelou a espada de seu cinto e a colocou sobre a grande mesa a sua frente. Os homens o observavam com um olhar apreensivo e ansioso. Radhael apoiou suas duas mãos sobre a mesa e respirou profundamente mais uma vez. Seus olhos percorreram por entre os rostos ali presente até encontrar quem ele procurava. – Brinkod e Quinth, por favor se ponham a frente e exponham seu relatório.

   Todos os olhares imediatamente se voltaram para os dois homens. Um pouco constrangidos eles deram um passo a frente, se entreolharam e Quinth tomou a palavra para si. – Meu senhor. Conseguimos trazer com segurança os suprimentos solicitados. Não tivemos nenhum imprevisto nem sofremos nenhum ataque durante todo o trajeto. O lorde protetor de Urgdon foi muito solícito diante de sua petição e envia seu desejo de boa sorte – Ele esfregou a mão sobre a testa para conter o suor que começava a descer sobre sua barba. Ele costumava ficar desconfortável quando estava sob os olhares de muitas pessoas.