RATOS DE CASA

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Eu sempre tive o mesmo sonho desde que me mudei para esta casa. Talvez por conta dos barulhos vindos do porão, que nunca fui corajoso o suficiente para visitar, ou talvez por conta desse meu medo enorme de roedores. Feras famintas em formas de pequenos seres peludos e nojentos, capazes de comer qualquer coisa para não morrer de fome... Só de pensar, imagens horrendas se formam em minha mente, e para minha lástima, isso vem na minha cabeça sempre antes de dormir, o que me leva àquele maldito sonho, ou melhor, pesadelo outra vez...

Não consigo ignorar os barulhos do porão. Todo aquele fervor, aquele violento arranha-arranha que sempre ouço me levam até lá. Desço as escadas com cuidado, acho que para não ser detectado, mas isso não faz sentido, afinal, o que me espera lá embaixo verá minha figura assim que eu abrir a porta. Sigo devagar pela sala, onde sinto gotas frias de suor se formando em minha testa, e sigo até a porta do meu destino aterrorizante. O barulho é tão ensurdecedor que não consigo nem sequer ouvir minha própria respiração ofegante e acelerada. Mas, mesmo assim, eu prossigo e giro a maçaneta. A porta se abre, e a escuridão sem fim revela infinitos olhos vermelhos famintos que vêm em minha direção quase feito uma onda marítima, grunhindo de forma surreal e prontos para me devorar até os ossos!

E então eu acordo com o despertador. Mesmo dormindo oito horas por noite, sempre parece que não dormi por um segundo sequer... O lado bom é que agora não tenho que sair correndo para trabalhar porque faço isso daqui mesmo. Se há cinco anos atrás você me dissesse que isso seria possível, eu riria de você e o chamaria louco por pensar tal coisa. Meus amigos dizem que é o melhor que podia acontecer comigo, afinal sou "rato de casa", uma expressão que eu não gosto, mas concordo parcialmente.

Levanto da cama rapidamente e sinto uma tontura enquanto tudo escurece. Minha pressão anda muito baixa ultimamente... Creio que devo adicionar mais proteínas na minha alimentação. Sigo até o banheiro e pego minha escova de dentes, mas antes de passar o creme dental, sinto um cheiro horrível exalando dela, o que quase me faz vomitar. Será que o Iggy ficou com ela na boca ou algo assim? A jogo no lixo e vou tomar café da manhã.

Desço as escadas e Iggy corre até mim, seu rabinho balançando pra lá e para cá. Eu o adotei para não ficar sozinho durante esse tempo, e como não consegui comprar um celular desde que cheguei, ele tem sido uma excelente companhia. Divido minha comida com ele, assim além de economizar na ração sinto que estou convivendo com outro ser humano.

Preparo um sanduíche vegano para mim e um pão com carne pro Iggy, que devora o dele rapidamente. Cachorrinho esperto e faminto. Sento no sofá, ligo a TV e vejo as notícias. Na verdade, nunca tem nada bom para ser noticiado, então logo mudo para a Cartoon Network e como meu lanche em meio a boas risadas.

Logo chega a hora de eu trabalhar, então desligo a TV e corro de volta para o quarto e ligo o computador. Mais um dia cheio de reuniões do início ao fim...

Mas sou surpreendido por latidos no andar de baixo. Iggy late e rosna ferozmente como se houvesse alguém lá. Eu me viro para a porta do quarto, olhando escadaria abaixo na esperança de saber o que está acontecendo... Quando penso em levantar, me assusto com a voz saindo do dispositivo:

— Ei, cara! Tá tudo bem?

— Tá sim... É o Iggy que não para de latir e rosnar lá embaixo.

— Seu cachorro é maluco cara! Quer descer e ver o que tá rolando?

— Não... daqui a pouco o chefe vai entrar aqui, melhor estar todo mundo pronto...

O restante da equipe entra na reunião e começamos a falar quais melhorias vamos trazer para nosso ambiente de trabalho presencial, quando ele ficar pronto. Mesmo com tantas ideias, eu não consigo deixar de me preocupar em relação ao meu cãozinho que não para de latir...

Ratos de CasaOnde histórias criam vida. Descubra agora