18° Dia
Não falo muito dele por aqui, mas acredito que as letras chegam a se alinhar de forma diferente quando me refiro à ele escondendo em metáforas, citações, coisas ou palavras. Escrevo diários desde os meus13 anos e sempre acabaram de alguma forma sendo destinados aos meus "eles", por isso quis fazer desse caderno meu, e não nosso como sempre faço. Escrevo para mim e sobre mim, mas dessa vez não pude me conter em trazer nosso diálogo para essas folhas.
"Não acho que vou conseguir cumprir o que você me pediu" eu disse.
"O que?" ele retrucou.
"Não me apaixonar por você." respondi, e um leve silêncio pairou sobre nós ate termos que subir para os quartos. E então foi aqui nessa mesinha que escrevo, que fiz uma luneta com o copo plástico que usei para tomar meus medicamentos, já imaginando que depois dessa noite eu cantaria só pras estrelas e não mais pra ele.
19° Dia
Não consigo mais ver desenhos nas nuvens, será que elas perderam seus formatos ou eu quem perdi meus olhos de criança junto a tudo que me foi tirado?
19° Dia
Obrigada por não se esconder atrás das nuvens, meu Sol. A insegurança que eu carrego em cada cicatriz gritou mais forte que o "talvez" de você ser diferente, mas deitar debaixo dos seus galhos e escutar letrinha por letrinha de qualquer coisa que você diz ainda me da uma faísca de esperança de existir um "nós".
20° Dia
Os segundos que antecedem o abrir dos meus olhos quando eu acordo me confundem e me fazem acreditar que ainda estou em casa, só pra abri-los e e dar de cara com as paredes rosas e a janela gradeada do hospital. Sinto falta dos meus bichinhos de pelúcia, queria ter um pedaço de casa comigo além do cheiro de amaciante nas roupas que minha mãe me traz.
Não ter notícias e não saber o que me aguarda lá fora me aflige, ainda tenho fantasmas presos em minha pele. E se eu for um passarinho que depois de passar tanto tempo na gaiola não consegue se reestabelecer em seu habitat?
Escrevo hoje porque a saudade vem gritando mais alto que nos últimos dias.
21° Dia
Caminho com os pés descalços sob as raízes da minha árvore favorita numa tentativa, talvez, de me reconectar às minhas próprias, as que fazem de mim quem sou e aquelas que meu peito aperta de saudade: as que me geraram.
Debaixo dessa mesma árvore folhas amareladas caíam no gramado molhado, me lembrando das chuvas de março e da proximidade do outono, o que me veio a ter a súbita vontade de pegar essas folhas e transformá-las em uma borboleta no meio do pátio (que já se encontrava quase vazio), talvez na esperança dela me levar voando para a minha estação do ano favorita.
22° Dia
Parece que seus olhos escurecem e se perdem junto com o crepúsculo. Você sempre foi indecifrável mas dessa vez fui eu quem ouvi um "Você tá diferente esses dias". Percebi que realmente estava e que talvez isso soasse como algo bom, uma evolução do meu eu aqui dentro ou apenas a saudade lá de fora.
Já era comum as estrelas se esconderem no céu daqui dando pra avistar duas ou três no máximo, o mesmo acontecia com seu riso, e seus olhos que me pareciam cheios de água como a praia da Urca pintada na parede atrás de nós. Deve ser por isso que enquanto acariciava seu cabelo e sugeri dele ir descansar, o seu "Não, eu quero ficar" esquentou tanto o meu peito.
23° Dia
"O Sol e o ar são as grandes forças curativas da natureza. Essa alegria interior transforma o sangue envenenado em uma corrente pura, saudável e estimulante de vida." - Vinte e Quatro Horas Por Dia.
A cura vem de dentro pra fora.
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Quarto 109
Poetry"Escrevi meu nome com o fósforo após sua chama ter cessado e restado apenas as cinzas. Agora ando tropeçando nas minhas sobras que ficaram pelo caminho, meus calos doem." 05/01/2017 Em fevereiro de 2021, eu fui internada em uma clínica psiquiátrica...