Querido Diário

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Lembro das palavras que eles usaram quando me viram perto daquele homem.

"Vagabunda, Assassina, Vadia"

Isso porque eu me recusei à ouvir o que eles ainda tinham para dizer.

Quando um deles puxou meu pulso, percebi que aquele era um caminho sem volta.
O anjo não era mais o anjo.
O anjo é o Demônio.

As pessoas transformam as histórias naquilo que elas gostariam de ouvir. Afinal, o que você pensaria de uma mulher com a roupa e as mãos ensanguentadas, enquanto segura um homem morto?

As pessoas me olhavam com repulsa. O brutamonte que me segurava me cuspia durante o longo e duro percurso.

Eu não conseguia ouvir, pensar, andar e muito menos falar. Eu só sentia.

Eu sentia aquele sentimento de inferioridade, medo, angústia e revolta.

Revolta porque eles não sabiam da verdade.
E talvez ninguém saberia.

Me colocaram aos pés do imperador, mas eu estava fraca e não consegui me sustentar. Deitei-me implorando por perdão, mas a única coisa que eu conseguia fazer era chorar.

Eu não sei o que o imperador disse, mas um dos soldados que ali estavam, me levou para o calabouço, para a prisão.

Fiquei por lá durante uma semana. A minha alimentação baseava-se em água. Apenas água. Que provavelmente era tirada das bacias sujas da cozinha real.

Quando completou dez dias, finalmente eu recebi meu primeiro prato: resto de sopa com um osso roído.
O soldado que trouxe, jogou o pequeno prato longe de mim.
Eu era um animal?
Eu não era, mas estava virando.

Após quinze dias, outro soldado apareceu e me levou sopa com um pedaço de pão.
Ele, porém, não jogou o prato para eu ir — como um animal — buscar.

O soldado se apresentou como Amis e me entregou o prato.
Eu, portanto, não pude responder.
Fazia dezesseis dias que eu não falava.
Desde aquele dia.

No dia seguinte, Amis me trouxe uma nova coberta.
Ele também disse que cuidaria de mim até o dia do meu julgamento.
Logo após ele sorriu e trancou os portões.

E ali fiquei, sob a escuridão das pedras e da pequena luz que se sobressaía das tochas.

Aquela havia sido a primeira noite em  que eu dormi nos dezessete dias presa naquele lugar.

Durante a manhã, acordei com o barulho de correntes se abrindo: Amis havia voltado.

Ele estava acabado.
Cabelo bagunçado.
Rosto sujo.
Olhos vermelhos e olheiras profundas.

Mas, mesmo assim, ele sorriu pra mim.
Sorriu como ninguém sorriu antes.
Pegou meu prato e perguntou se eu queria mais água.

Porém, eu não respondi.
Não porque eu não quis — até porque eu queria muito —, mas porque eu não conseguia.

— Por que não fala comigo? Não me responde... Só me olha - Ele disse.

Eu o encarei com firmeza, esperando que ele pudesse me entender.
Mas não funcionou — pelo menos foi o que eu achava —.

— Vou esperar seu tempo. Se precisar de ajuda, estou aqui. Não vou te machucar. - Ele disse ao sair.

Talvez ele não queira me machucar, mas os outros... com certeza querem.

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⏰ Última atualização: Nov 07, 2022 ⏰

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