Não Deixe a Vela Apagar - Vencedor

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Autora:  alrightyhoney

Um dia, em meus tempos de menino, quando meus finais de semana no engenho eram o marco da minha infância, presenciei algo que jamais me livrei. 

Todas as noites sentava eu e meu avô no lado de fora de sua casa, no mesmo horário. Esperávamos vovó cair no sono assistindo suas novelas, era quando vovô pegava seu saco de fumo, palha de milho seca e seu chapéu. Passava o rabo de olho por mim, provavelmente perguntando se eu seguiria daquela vez. Eu, calado, ia logo atrás. 

Vovô não era homem de conversa, dizia que isso era coisa de pai de moça — o que ele não era. Por causa de seu jeito bruto eu não ousava me aproximar dele até o dia que me pediu para ajudá-lo com seus cigarros artesanais. 

Sentamo-nos no degrau lado a lado e desde então começamos a fazer com frequência. Nessa noite que bem me lembro fizemos o mesmo de sempre. A data está eternizada em minha mente — 02 de novembro. Cresci em família católica, feriado de finados era dia de adorar as almas, ir ao cemitério, acender vela e orar. Nos engenhos apenas as velas eram acesas, a distância do local os mortos descansam nos impedia de irmos até lá. 

Vovó naquele dia acendera cedo, em um buraco no tronco de um pé de jambo que havia no terreno ao lado. Enquanto ajudava vovô eu observava ao longe a flama bruxuleante. O fogo dançava, não se abalava pela brisa noturna. Meu avô, de cabeça baixa, perguntou: 

— O que tu tanto óia, fio? 

— As velas, vô, não se apagam mesmo com o vento. 

— Issé pro causa das aima. 

Fiquei logo de orelha em pé, me benzi sem nem pensar. 

— Oxe, vô, que negócio de alma é esse? 

— Que vem do cemeterio, dia de finado é dia deles vim tudo fazê visita. As vela é caso diquê fica fáci' deles achá as casa das família. 

— E se a vela apagar?  

Vovô parou, coçou a testa sob o chapéu e soltou um riso, não era de seu feitio rir daquele jeito.

 — Se apagá, fio, alguém tá perto de morrê. 

Um arrepio subiu meu pescoço, mais uma vez olhei para as velas e a primeira coisa que me veio é que eu não deveria deixá-las apagar. Fiz mais alguns cigarros com vovô, sua carranca havia voltado e então permanecemos em silêncio. 

Observando o céu ele disse: 

— Bora entrá modiquê as aima já passa aqui. 

— Mas e as velas? 

— Se num fô pra apagar num vão apagar, bora ou tu vai acabá indo conhecê Jesus. 

Obedeci, receoso. 

Segui vovô para dentro e continuava a pensar nas tais velas, já deitado na cama só pensava que uma delas poderia estar apagada naquele momento. Com medo me levantei pelo menos umas três vezes, nas duas primeiras fuiaté a porta e voltei, mas na terceira criei coragem e fui de vez.

 Abri, sai, corri para a árvore e as velas estavam lá, queimando em seus últimos sopros. Não haviam apagado e queimaria até o fim, o que me causou certo alívio. Mas o pior estava por vir, quando me dei conta lá vinha eles. Todos vestidos em branco, com seus rostos cadavéricos cobertos por mantos e braços ossudos, uma procissão chegava. 

Fiquei paralisado ali mesmo onde estava, em suas mãos esqueléticas havia velas e mais velas. Aquelas que estavam na árvore chegaram ao seu fim, eu com meus olhos arregalados e meu corpo estremecendo, entreiem um estado catatônico. Foi quando, devagar, eles chegaram cada vez mais perto e um desses cadáveres ambulantes veio em minha direção. 

Eu pude sentir a podridão vinda daquele ser, que estendeu para mim umadas velas que sustentava. Eu olhei-a, não me pergunte como e nem o porquê, porém eu a peguei. Foi nesse instante que senti um vento frio e aprocissão parou ali mesmo. 

O líder deles, um ser que os guiava vestido em sua capa preta e com rosto de caveira veio até mim, se abaixou e colocou sua mão no meu ombro. A chama da vela que eu sustentava tremeu, o vento soprou mais forte, meu corpo estava gelado e então a caveira ficou cada vez mais perto do meu rosto, se aproximou do meu ouvido e em um sussurro que parecia estar dentro da minha mente ele disse: 

— As almas agora são suas.

Nesse instante, a vela que eu segurava se apagou e o guardião da procissão na minha frente se desmanchou em cinzas, carregadas pela brisa. Como se uma força maior me manipulasse, peguei a capa que sobrou no chão e a vesti. Depois disso minha memória tem guardado os caminhos que já segui, sempre a frente daqueles que buscavam a luz e procurando alguém para tomar o meu lugar. A vela apagou e com ela eu me fui, só eu e as almas. Não conheci Jesus como previu vovô. 

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