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— Cara, eu não entendi! – com certa apreensão, Sofia admitiu.

— Meu senhor! Como alguém pode ser tão inteligente e ao mesmo tempo tão lerdo, minha filha? – Diana levou a mão esquerda à fronte, como se comprimisse toda sua razão para responder à pergunta que ela mesma tinha se feito. — Sabe, tem hora que eu duvido que eu seja a hétero e você a sapatão...

— É, eu também duvido...

Enquanto se levantava da escrivaninha e deitava na cama, ao lado da amiga, Sofia refletia sobre as verdades que ouviu. Se achava mesmo bastante lenta para compreender algumas questões, em especial as que envolviam outras pessoas, mas talvez também as que diziam respeito a ela própria. Ou bem, se via lerda em tudo, essa era a verdade.

— Ei, calma, não é pra tanto. Não precisa fazer essa cara de cachorro que caiu do caminhão da mudança. A Didi aqui, vai te explicar de novo. Então, sim, a Íris te quer!

— Como assim a Íris me quer? Ela só perguntou o que farei no fim de semana. Me explique sim de que modo você chega a uma conclusão dessas?

— Porque é óbvio!!

— Óbvio, como? Você vive me perguntando o que farei, quase todo dia e não me quer... Ou quer? – O tom irônico de dúvida, mas sincero fez com que Diana gargalhasse.

— Ai, Deus! Eu amo ser sua amiga... – enquanto se recuperava da crise de riso, Diana tentava responder. — Eu não estou rindo de você, quer dizer, é de você, mas não de você, entendeu?

Sofia encarava a amiga sem saber se ria com ela ou a espancava.

— Ok, ok, vou explicar... Eu acho você maravilhosa, minha cara, você sabe disso. E se eu gostasse de mulher, talvez você fosse meu número. Mas você sabe que não é minha praia, já tentei e não dá, infelizmente... Bem, peraí, que eu já me perdi, onde a gente estava mesmo?

— Você estava me explicando a razão de ter pisoteado a minha autoestima, debochando estridentemente da possibilidade de me querer.

— Meu Deus! Larga de ser dramática, você sabe bem que não é isso. E estamos perdendo o fio da meada aqui. A grande questão é que o tipo de interesse dela em seu fim de semana é de quem quer te dar uns bons beijos. Quer apostar?

— Ah não... Você é mais esperta que eu, vou perder, mesmo que eu não acredite na possibilidade.

— Obrigada por dizer o óbvio! Vejamos... Há quanto tempo você conhece a Íris?

— Talvez, sei lá... uns dez, quinze...

— Anos – complementou Diana. — Exato. Tempo o bastante não é mesmo? E em quantas dessas ocasiões vocês saíram juntas?

— Nenhuma.

— Então...

— Então o quê?

— Ela te vê numa manifestação pró-democracia e de repente está te chamando pra sair? Depois de 329 anos? Vocês nem conversavam, cara.

Diana demonstrava uma postura bastante incisiva, de quem informava o óbvio, porém Sofia permanecia relutante. Seria possível?

— Mas ela nem sabe que...

— Sofia, ela sabe. Todo mundo sabe.

Era inegável que se fossem citados os estereótipos sobre lésbicas, Sofia atenderia há diversos itens da lista. Seus cabelos crespos escuros não eram longos, não era uma feminina ou vaidosa, a coleção de camisas pólo, o violão ao canto e a playlist de Ana Carolina a Cássia Eller, passando por Angela Ro ro, Maria Gadu e Gal Costa, sem deixar de lado o duo AnaVitória. Talvez só faltasse o gato, que não existe para não a matar pela alergia.

— Ok. Você tem um ponto. Só que, mano, uma mulher bonita daquela? Me querendo?

Diana se levantou, começou a arrumar suas coisas.

— Olha, você sabe que amo ouvir seus discursos autodepreciativos, me empolgam muito. Porém, já vou indo, tenho aula na faculdade e muitas coisas a resolver.

— Mas e meu problema?

Cruzando os braços, indignada, Diana respondeu:

— A senhora sabe se virar bem com mulheres. Pode marcar esse encontro e dar seu jeito. – Parando com a mão na maçaneta, completou: — Sabe, as vezes eu não acredito como ainda não soquei a sua bela cara de pau.

Rindo, Diana saiu, deixando Sofia também risonha, mas reflexiva. Será possível?

Será possível?Onde histórias criam vida. Descubra agora