Capítulo Único

58 3 1
                                    


Afrodite


Rabisco papéis e nada consigo dizer. O que não faz sentido, certo? Todo mundo tem algo para dizer, seja esse algo uma formiga ou uma garota como eu. Certo? Humm... Não. Completamente errado. Não sei o que dizer, então rabisco.

As palavras, às vezes, parecem encontrar uma forma misteriosa de sair, mesmo que para isso você tenha que ficar cerca de três horas rabiscando frases sem sentido, como essa que estou escrevendo agora. Ok. Lembro-me daquele velho mantra: respire. Então, respiro. Isso deveria ajudar, não acha? Quem nunca leu, na sala de espera do dentista, revistas que lhe dizem: Se tem um problema, respire! Nesse exato momento, isso me parece a maior idiotice que se poderia dizer a alguém.

É meio óbvio não? Se você não respirar, como vai viver? Quem escreve esses conselhos deveria seriamente usar o cérebro ao invés de falar baboseiras. Na verdade, pensando melhor, se não tivesse alguém para ler, eles não escreveriam. Logo... Eu sou a idiota para quem eles escrevem. Eu e tantos outros que esperam, com a boca aberta, a anestesia passar....
Foco Emma!

Tudo começou há exatos seis meses. Eu estava, como sempre, atrasada para a primeira aula. Não queria entrar... Ou melhor, a professora não me deixaria entrar, já que ela era a minha mãe. A grande Margareth, a melhor professora de todos os meses, de todos os anos. E que tem uma filha que não conseguia chegar no horário... E, por isso, era um péssimo exemplo a ser seguido....

O que eu estava dizendo? Ah sim! Então, eu estava lá, com meu corpo escorregando pela parede, no corredor vazio. Como um sanduíche de pasta de amendoim, que você joga e que gruda o bastante para que você respire, aliviada, mas logo em seguida desliza majestosamente pela parede. Deixando um rastro amarronzado no papel de parede branco.

Essa sou eu, a filha da professora! E foi exatamente por aproveitar essa fantástica e maravilhosa sensação de não ter aula que eu me ferrei! Se o pneu da minha bicicleta não tivesse estourado no meio do caminho, eu estaria naquela sala. Mas ei?! Sou uma Swan e estou destinada a me ferrar.

Emma! Venha já aqui. A diretora gritou logo em seguida, com seu costumeiro dedo erguido. Ela era a personificação daqueles filmes de colegiais. Acima do peso, baixinha, com o cabelo completamente bagunçado e uma saia cor de caqui, mas que, se você não obedecesse, acabaria limpando privadas por uma semana.

Como uma boa aluna, eu me levantei e fui até onde ela estava. Foi nessa hora que eu terminei de morrer. Ao seu lado, estava a personificação de Afrodite, aquela que todo mundo quer pegar, mas ninguém consegue. Sabe? Uma que vivia no Olimpo... Ou em algum lugar, em algum livro de mitologia. Esses detalhes não importam nesse momento.

Basta você saber que aquela garota era a Afrodite em pessoa. Como sempre, a minha diretora continuou falando e falando e falando, mas eu não tinha a menor ideia do que ela dizia naquele momento. Muito menos depois que Afrodite, sua encarnação nessa geração, sorriu para mim. Ah, se o maldito cupido existisse, ele teria disparado umas quinhentas flechas no meu peito, ou quase isso, mas eu juro que senti algo me tirando o ar e eu só queria abrir os braços e pedir por mais. Mais!!

Em algum momento, que agora me parece ter sido quando a diretora me encarou, eu percebi que ela não estava mais falando. Mais uma vez, a personificação de Afrodite sorriu e mexeu em seu maldito cabelo preto, capturando minha atenção no calabouço mais esquecido de todas as trevas. Os fios pareceram ser tão macios... Que eu, com certeza, dormiria com o rosto no meio deles. Os levaria para passear, para assistir um filme na sexta à noite.

Idiota não? Também acho, principalmente quando você diz isso à pessoa que está na sua frente. Em caixa alta e gemidos garrafais. Eu juro que quis ser o Papa-Léguas apenas para ser atingida por uma bigorna do Coiote e bum! Bum!Bum!! Desaparecer em um buraco no chão. Mas, infelizmente, não foi possível.

AfroditeOnde histórias criam vida. Descubra agora