"São os seus defeitos que fazem de você uma pessoa única".
-A Bela e a Fera.
Primeiro dia, hoje volto ao trabalho depois de muitos anos. Após a decisão que tomei de ficar em casa, é a primeira vez que estou por conta própria e tenho uma rotina. Ainda não sinto nada, mas digo a mim mesma que é porque nada é certo ainda. É apenas uma experiência, se as crianças não gostarem de mim, estarei fora. Pude vê-las de longe no café, pareciam infelizes, como eu.
Me pergunto se não mereciam mais do que alguém triste que está fazendo isso apenas porque não pode estar em um escritório ou em sua própria casa, mas enquanto atravesso os portões da casa grande e vistosa, não recuo, não volto atrás em minha decisão porque sou egoísta demais para fazer isso.
Preciso desse emprego. Preciso estar aqui. Preciso estar fora de casa.
A porta se abre, uma garota de cabelos curtos me encara, entediada, talvez até brava, ela deve ter uns treze anos, talvez um a mais ou a menos. Não importa, é o bastante para me deixar imóvel, ainda me questionando sobre o que estou fazendo aqui. Uma babá? No que eu estava pensando mesmo? Ela continua parada, esperando que eu diga alguma coisa, mas sabe quem sou.
Sabe porque nosso olhar se encontrou no café e porque o portão foi aberto por alguém que sabia que eu viria. Talvez ela. Talvez seu pai que ainda não conheci. A garota me desafia com seus olhos castanhos, apoiando a cabeça no batente da porta de forma debochada, mas não me irrito com isso.
— Seu pai está? — pergunto.
Ela ri, sem humor.
— É a babá dele?
Aperto os lábios, os dedos forçando a alça da bolsa.
— A sua e do seu irmão, você sabe bem.
Ela semicerra os olhos e percebo que cometi um erro sendo dura com ela.
— Ele nunca está. — A garota puxa a porta com tanta força que ela bate na parede e volta em minha direção.
Preciso segurá-la para que não bata em mim, então a fecho com cuidado, encarando o interior da casa imensa e impecável.
— Vocês estão sozinhos? — pergunto, um pouco inconformada.
— Já tenho catorze — diz, como se fosse grande coisa.
Quase, um a mais.
— Bem, não deveriam estar sozinhos de qualquer forma.
— Não importa, ele pode nos ver o tempo inteiro, em cada maldito lugar dessa casa. — Começa a andar em direção às escadas.
Não pergunto o que quer dizer com isso, apenas corro os olhos pelo cômodo em busca de seu irmão.
— Onde está... Pietro, certo?
Ela não responde, apenas continua subindo as escadas. Eu a sigo, porque acho que é isso que ela quer, mas quando chegamos no segundo andar, a garota entra em um dos quartos e bate a porta na minha cara. Mal posso ouvir o som do estalo porque há um Heavy Metal tocando dentro do cômodo.
— Pietro? — chamo por ele, abrindo cada uma das portas.
O quarto de casal é o primeiro, a cama ainda está bagunçada, há algumas peças de roupa no chão, mas Pietro não parece estar em nenhum lugar, então a fecho. A segunda é o banheiro, há um tapete embolado no chão e uma toalha de banho molhada sobre o vaso sanitário. Abro a outra porta, é um quarto simples, parece de hóspedes e tudo está em seu devido lugar, mas é apenas na última porta que o encontro.
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A FERA
RomanceIsabela deseja mudanças, e é por isso que, apesar do seu diploma em Administração, ela decide cuidar de crianças. Bela pensou que seria fácil, até se deparar com uma dinâmica nada funcional e uma família que não sabe se expressar. De repente, ela se...