O que são as palavras? A mais perfeita forma de comunicação que nós, seres humanos, desenvolvemos? Então porque as tememos tanto? Porque temos tanta dificuldade na hora de usá-las? Na hora de declará-las? Na hora de expressá-las? Por que as palavras nos assustam? O que existe nelas que nos apavora de forma tão irracional? Onde elas nos atingem para que causem tanto desconforto e incômodo? Elas não são inofensivas? Não são apenas punhados de letras que juntas formam um som? Não são invisíveis? Não são faltosas daquela materialidade que talvez pudesse nos cortar ou ferir? Então por que as evitamos? Por que tentamos fugir delas? Por que ousamos nos esconder das palavras?
Não entendia. Eu não entendia a minha dificuldade em usá-las da forma como realmente queria. Escrevendo aqui, discorrendo sobre a profundidade dessa criação tão humana, posso parecer incongruente entre a ideia que pretendo passar e a ideia que realmente permito que transpareça. Mas o fato é que eu sempre tive dificuldade com as palavras faladas. Em lançá-las ao vento através de meus lábios. Em permitir que do meu coração elas brotassem e da minha boca elas florescessem.
Desde sempre.
Lembro-me de quando era ainda adolescente. Por volta dos quatorze anos. Aquela fase tão conturbada que vivenciamos. Quando não sabemos ao certo quem somos, o que queremos e aonde iremos. Quando passamos por uma crise de identidade por não sermos mais cuidados como as crianças indefesas que um dia fomos. Mas também não somos respeitados como os adultos autônomos que fantasiamos ser. Aquela fase na qual só queremos respostas, e, portanto, fazemos inúmeras perguntas, questionamos, indagamos com crítica o mundo que nos rodeia. Aquela fase na qual as palavras ficam confusas em nossa mente tão agitada.
E eu não conseguia desenrolar uma conversa. Como era tímido! Como me escondia. Tinha medo de algo que até hoje não sei muito bem o que era. Medo de ser inadequado? Medo de ser rejeitado? Medo de me sentir ainda mais não pertencente? Não importa. Eu tinha medo. Aquelas vivências me assustavam. Aquelas descobertas me incomodavam. Aquela vida, naquele momento, naquela época, era desconfortável demais para mim, sempre tão rotineiro, sempre tão amante do familiar, tendo que vivenciar a cada amanhecer alguma novidade que fugia ao meu controle.
E as palavras não eram faladas.
Mas eu as escrevia.
Escrevia com afinco e com prazer.
Tudo aquilo que não conseguia dizer no auge da minha adolescência, sendo confrontado pelo crescimento dos meus pares, invejando-os por, em muitas vezes, serem tão desenvoltos e desinibidos, eu escrevia. Consideravam-me estranho. Muitos me julgavam por passar horas em frente ao computador digitando textos que pareciam intermináveis. As ideias brotavam. Nasciam. E floresciam. Suas sementes davam origem a outras tantas ideias. E eu não conseguia parar. Não conseguia silenciar as palavras escritas embora ficasse paralisado diante das palavras faladas.
Fui levado ao psicólogo.
Era um sujeito calvo, de óculos grossos, mas que ao retirar as lentes revelava um olhar doce, acolhedor e compreensivo. Um olhar em nada intimidador. Eu não sabia o que dizer diante da sua presença. Nem como dizer. As palavras, naquela situação, tinham que ser faladas, e eu não sabia muito bem como estruturá-las, como proferi-las sem me sentir ridículo ou insuficiente.
Foi quando entendi que não são apenas as palavras que dizem alguma coisa.
Os gestos também.
Porque ele me ouviu em meu silêncio. E quando compreendeu a minha angústia sem que eu precisasse descrevê-la, foi quando, finalmente, falar com ele ficou mais fácil, mais natural. As palavras simplesmente vinham. Não como quando eu estava sentado em uma tela em branco com o cursor piscando. Mas elas vinham naturalmente.
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As Palavras não Ditas (Conto)
RomanceO que são as palavras? A mais perfeita forma de comunicação que nós, seres humanos, desenvolvemos? Então porque as tememos tanto? Porque temos tanta dificuldade na hora de usá-las? Na hora de declará-las? Na hora de expressá-las? Por que as palavras...