único

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((Sim, eu quis entrar na brincadeira do ship da Copa... Essa é a piada mais elaborada que eu fiz em um longo tempo. Pelo menos a maioria não costuma levar quase duas horas.

Isso foi escrito só pelo meme, não leve a sério demais, etc, etc. Obrigada por lerem!

edit 9/12: é com muito pesar que informo que devido ao resultado do jogo de hoje, a fic agora se passa num universo alternativo. isso foi escrito antes das quartas de finais, pensem com carinho nisso))


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Apesar da madrugada já ter adentrado a noite coreana, Son Heung-min não consegue dormir. A televisão, ligada no fundo, já encerrou a transmissão da final da Copa do Mundo. Apesar de todo o favoritismo, a França caiu para o Brasil, que finalmente alcançou o cobiçado e exclusivo hexacampeonato.

Ele está feliz por eles, sério mesmo. Heung-min cresceu acompanhando a saga da Seleção rumo ao penta e as duas décadas que se sucederam em tentativas frustradas. E agora que os times são compostos de rostos familiares, é inevitável que ele se torne mais parcial às seleções dos países de amigos e colegas. Ainda mais no caso do Brasil, tão presente em seu dia-a-dia. Ele passou inúmeras horas ouvindo Richarlison falar sobre as preparações, a torcida, e como seriam os dias no Catar. Ele falou da pressão, da expectativa, e das promessas que fez caso ganhasse a Copa. Ele falou sobre como seria legal se eles pudessem jogar um contra o outro no torneio.

Heung-min respondeu que de fato, seria muito legal. Mas não falou que achava isso extremamente improvável. É sempre bom acreditar em si mesmo e sonhar, mas também é necessário manter os pés no chão. Por mais que a campanha tenha sido surpreendente em 2018, foi longe de ser ideal, e é melhor nem mencionar a última Copa da Ásia. A essa altura, parecia que a única chance de jogar contra o Brasil seria se caíssem no mesmo grupo — e é claro que aquilo não aconteceu.

O problema é que uma vez que o impossível se torna tangível, você começa a se permitir sonhar. Sempre há a chance de uma vitória a mais, de avançar um pouco mais longe do que a última vez, e é aí que mora o problema. Afinal, quanto mais alto o voo, mais alta é a queda. E por mais que tenha sido esperado, que ele achasse que estava preparado, mesmo assim, doeu. A imagem da queda de Ícaro que viu em um museu em Madri surgiu vívida na mente de Heung-min naquela noite. Uma comparação dramática, quase idiota, mas é fato que a taça da Copa do Mundo é tão dourada quanto o Sol.

E o Sol é tão brilhante quanto o sorriso de Richarlison na imagem que aparece em sua timeline do Twitter — e é claro, apesar de doer um pouco, Heung-min não consegue deixar de olhar para nenhum dos dois, e não consegue deixar de pensar que poderia ser ele ali segurando a taça, jogado nos braços dos colegas, tal como já esteve várias vezes após jogos. Muitas vezes, era o próprio Heung-min que o segurava, em celebrações cuidadosamente medidas, já que o mundo inteiro estava assistindo. Sempre está. Então seja nesses momentos ou agora, o que resta é sonhar.

... Bem, ele está de folga. Beber uma ou duas não vai afetar o desempenho dele semana que vem.

Seu celular fica largado na cômoda ao lado da cama enquanto ele vai à cozinha buscar algo.

Ao retornar, Heung-min encontra-o vibrando. Ele toca seis vezes antes de ser atendido.

— Eu te acordei? — Richarlison ofega do outro lado da linha, o barulho de tambores quase ensurdecedores mesmo a meio-mundo de distância.

— Não, eu fiquei vendo os comentários depois da final. Parabéns. — Por mais que estivesse naquele poço de autorreflexão (se é que dá para chamar assim), Heung-min sentia sua mente se acalmando ao som da voz do amigo. Trazia um calor gostoso ao seu peito. As palavras que diz são sinceras, impulsionadas por esse sentimento. — Você merece muito essa vitória. Fico feliz de verdade que quem ganhou a Copa foram vocês.

— Nossa, cara, muito obrigado. — Pela voz dele, Richarlison já chorou todas as lágrimas que tinha no corpo. — Significa muito pra mim ouvir isso de você. Valeu mesmo.

— Mas tá tudo bem?

Era uma hora estranha para ligar, afinal de contas. Provavelmente o time ainda estava no vestiário, apesar de já terem se passado mais de duas horas desde o final do jogo. E se Heung-min precisasse listar todo mundo para quem Richarlison ligaria após ser campeão mundial, ele não se colocaria na lista.

— E- Eu só queria saber se você tinha visto o jogo, o que achou, se tava tudo bem. Mas já tá tarde pra você, né? Amanhã a gente se fala direito, valeu, boa noite!

Ele desliga de maneira tão afobada quanto ligou, e quase não é possível ouvir o final da frase. Heung-min não o culpa. Na euforia que ele deve estar, é impossível pensar com calma. Bloqueando o celular, ele o pousa na cômoda do lado, pegando o controle para trocar a televisão de canal.

Num timing impecável, o telefone começa a vibrar novamente, com a foto do colega de time aparecendo mais uma vez na tela.

— O que houve? — Heung-min pergunta ao atender, genuinamente surpreso com a ligação.

Entretanto, não é Richarlison que o responde. Ele não reconhece a voz, mas apesar do inglês um pouco macarrônico que o cumprimenta, a mensagem é bem clara:

— O Richarlison desligou porque tava com vergonha, aí eu roubei o telefone dele! — O mensageiro não se importa nem em se identificar antes de expôr o amigo. — Ele prometeu que se a gente ganhasse, ele ia te chamar pra sair, então escuta ele aí!

Os gritos ao redor do aparelho, seja lá onde ele está, são a maior algazarra que ele já ouviu. É quase o suficiente para atrasar seu entendimento, o que aquelas palavras deixam explícito.

— Foi mal, — o dono do celular começa a tentar se explicar. — Não leva o pessoal a sério não, eles já tão enchendo a cara, eu...

— Você quer sair comigo?

A frase escapa sem querer, voando para fora antes que Heung-min termine de pensar nela.

Do outro lado da linha, só a batucada continua, mas é difícil ouvi-la com seu coração batendo tão forte em seus tímpanos, num ritmo completamente diferente do samba. Ele já espera que a ligação seja encerrada de novo, mas não consegue nem pensar em uma maneira de impedir isso.

— ... Quero. — Finalmente a resposta surge, as palavras sendo ditas com um leve tremor. — Quando a gente voltar pra Inglaterra, você topa jantar comigo? Pode ser na minha casa mesmo se você quiser.

O barulho de trinta brasileiros festejando faz o sistema de som do celular quase estourar.

Ele sabe que não pode deixar Richarlison esperando, mas a situação é tão estonteante que ele só consegue ficar boquiaberto, encarando a televisão.

— Se você não quiser, tudo bem, e se você preferir, pode ser só como amigos também. Quer dizer, a gente já jantou como amigos antes, então não ia ser nada diferente, mas, você sabe... — Quanto mais ele tenta se explicar, mais devagar o cérebro de Heung-min é capaz de processar a situação. — Son? Ainda tá aí?

— Tô, tô sim! — Agora quem ofega é ele. Respirando fundo, ele se ajeita na cama, sentando reto, antes de responder. — Quero sim. Vamos combinar um jantar juntos.

— Como amigos ou vai sair com ele? — Alguém grita do lado do telefone.

— ... Isso eu prefiro conversar a sós.

É uma não-resposta que diz o suficiente, e a risada de Richarlison é mais do que o suficiente para acalmá-lo. Antes de desligar, o brasileiro se desculpa pela bagunça dos colegas, e promete ligar de manhã.

Ele não especificou se é a manhã coreana ou a manhã catari, mas já é meio caminho andado. Com certeza, Heung-min não conseguirá dormir depois disso. A lata de cerveja já foi esquecida do lado da televisão, esquentando e deixando uma mancha no móvel. Sua mente corre a quinhentos por hora, o conflito dos sentimentos pré- e pós-ligação destruindo seus neurônios. Se pudesse, desceria até o parque mais próximo e correria por horas até extravasar tudo o que sentiu nos últimos dez minutos... Mas como já passa das quatro, ele decide fechar o Twitter, respirar fundo mais uma vez, abrir o Google e pesquisar os melhores restaurantes para um primeiro encontro em Londres. O resto será decidido quando o Sol decidir surgir novamente. 

o sonho de ícaro -- 2sonOnde histórias criam vida. Descubra agora