Ela estava empacada.
Frustrada e completamente empacada.
Charlie inspirou e expirou fundo, observando a bagunça à sua frente com um pesar angustiante.
Dezenas de fragmentos de folhas pautadas serviam como forro para sua mesa e chão, um pedaço mal comido de lasanha tinha deixado seus rastros em algumas folhas, sujando-as, como um lembrete de que aquilo era tudo lixo.
Seu notebook, esquecido em um canto da mesa - talvez até com um resquício de lasanha no teclado -, estava aceso, expressando seu tormento nas seguintes palavras: NARRATIVA CRIATIVA.
Talvez ela devesse pensar em um tema melhor e original, mas as únicas coisas que surgiam em sua mente eram histórias sobre viagem no tempo, mocinhas debutantes do século XIX, algo fantasioso envolvendo mitologias e deuses, um suspense psicológico clichê sobre um paciente de uma ala psiquiátrica ou qualquer coisa que se assemelhe.
A forma involuntária que Charlie cometia plágios era impressionante, ela poderia escrever cerca de 100 folhas apenas sobre algo já existente, praticamente reescrevendo uma história.
Charlie era ótima escrevendo fanfics sobre histórias aleatórias que já viu contadas em livros, séries ou filmes, mas simplesmente não sentia-se capaz de escrever a sua própria.
Para o aumento de sua frustração, sempre fora assim. Desde pequena, o seu maior hobbie foi observar acontecimentos reais ou não, imaginando como seria se ocorresse da forma como queria. Era sempre o que ela observava, não o que criava. Então pensou nos casais que normalmente vê nas ruas, nos adultos apressados esbarrando uns nos outros, na natureza, nos edifícios. Charlie era o tipo de pessoa que gostava de uma boa observação, com direito a detalhes e sentimentos subjetivos. Nunca olhou para ninguém, em qualquer lugar que seja, sem imaginar como é estar dentro da bolha daquela pessoa. Onde o cérebro daquele indivíduo agitado e distraído estava? No trabalho, em problemas pessoais ou financeiros? Não, talvez essas sejam questões muito amplas, e ela era adepta a detalhes. Talvez aquele homem, apenas um qualquer em meio a tantos, de colarinho desarrumado, rosto achatado, olhar cansado e com um cabelo que mais parecia-se com um corvo molhado de gel, fosse um advogado ocupado demais para oferecer à sua família nada além de sustento. Talvez sua esposa tivesse esperanças de que ele ficasse mais um pouco na cama naquele dia, pois ela ansiava por mais um tempo com seu marido. Mas ele estava estressado, exausto do trabalho e com os nervos a mil por segundo, sem paciência nenhuma para lidar com uma família. Então, ao invés de aproveitar as poucas horas que tinha com a mulher, resolveu surtar. Brigou logo cedo, alegou não suportar mais cobranças e estar superatrasado para o emprego. Não quis ouvir os lamentos da esposa e o leve choro dos filhos, que estavam nos quartos ouvindo a gritaria, apenas explodiu como um louco e saiu de qualquer jeito, pensando no quanto não aguenta mais aquela vida. Era um homem totalmente tomado pela amargura, a rotina lotada o havia deixado no limite, ele estragava a própria vida e as das pessoas ao seu redor diariamente. Ele não lembrava-se do verdadeiro significado de viver.
Recostando-se na cadeira de seu quarto e olhando para o breu da noite mostrado pela janela, Charlie deu-se conta, mais uma vez, do seu problema. Ela não conseguia expressar o que criava em sua mente. Tudo era pensado, mas impossível de ser escrito.
Pelo canto do olho, ela encarou as palavras no notebook novamente, quase resignada.
Como na anterior, ela não conseguiria escrever nesta noite, infelizmente.
Suspirou fundo. Talvez devesse desistir e suportar um zero nesse trabalho, estava mesmo habituada à não completar as coisas que fazia.
Como se estivessem acusando-a, Charlie mais sentiu do que viu alguns de seus livros na estante esperando ansiosamente para serem lidos. Ela simplesmente esquecia deles, comprava-os porque tinham capas bonitas e pareciam interessantes, mas sempre deixava-os de lado com a falsa promessa de que iria lê-los um dia. E, como seu trabalho de escrita, ficariam lá, pois Charlie estava emocionalmente exausta de novo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Novo Fim
Teen Fiction"O álcool me mata e me regenera." Foi o que Charlina escutou naquele dia, no dia em que um completo e sufocante vazio tomou conta de sua vida. Pronunciada pela sua mãe, Reyna, em mais um de seus inúmeros episódios da mais horrenda e dolorosa mel...