Capítulo 1

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Eu poderia dizer que tenho uma vida perfeita. Não tenho exatamente tudo o que eu sempre quis, mas nesse exato segundo eu não poderia ter — ou mesmo querer — nada melhor.

Andando por entre os prédios antigos e novos, ouvindo o som do tráfego de carros e pessoas de Boston, e apreciando a paisagem encantadora, eu me sinto verdadeiramente feliz. Quando acordo de manhã, eu sempre tenho o mesmo pensamento que move praticamente cada passo que dou durante meu dia: eu simplesmente amo a minha vida.

Amo o beijo de despedida que a minha mãe me dá pela manhã, juntamente com as palavras "se divirta", mesmo que eu esteja indo trabalhar. Amo o cheiro das últimas folhas secas das árvores caindo na calçada nesse fim de outono ventilado e friozinho. Amo as decorações e luzes de Natal dispostas por todo lado em cada casa e loja. Amo os ruídos das máquinas de café e dos clientes sendo atendidos no balcão da Cafeteria Estações, que é parada obrigatória antes de eu chegar na Elysion Games.

E amo, principalmente, a visão da porta daquele Ferrari Purosangue prateado se abrindo, daquelas pernas saindo do carro, pisando firme em seu sapato social oxford ao atravessar a rua. Daquele rosto que é a última coisa que penso antes de dormir, enquanto sonho e a primeira que me vem à mente quando eu acordo.

Eu amo essa mulher.

Só que infelizmente ela não me ama de volta. Ela na verdade nem sabe disso. Então, ok, talvez eu não tenha mesmo uma vida perfeita. Mas poderia ter, se a mulher em questão não fosse a minha chefe.

— Bom dia, chefinha. Aqui!

A alcancei antes que entrasse no elevador e ergui o copo de café grande, completamente puro com apenas um tiquinho de açúcar, porque ela já é doce o suficiente.

— Bom dia, Gwenevere.

Como sempre, ela me olha séria de cima a baixo, e por fim encara o copo em minhas mãos. Cerra os olhos azuis, e, com a relutância vencida, pega o café.

Daisy Gable, Diretora Operacional da Elysion Eletronic Games, a única do topo que realmente trabalha, e, devo dizer, faz isso maravilhosamente bem. A razão da minha felicidade matutina, da minha distração vespertina e da minha excitação noturna. Ela é esperta, inteligente, extremamente perspicaz, muito criativa, um pouquinho controladora, mas sempre fantástica. E isso porque não preciso contar vantagem de ela ser a mulher mais linda e gostosa que eu já tive o prazer de contemplar.

Ela me olha de esguelha quando me ouve suspirar e tive que — além de acordar dos meus devaneios — desviar o olhar para encarar a porta do elevador. Não dar tão na cara do quanto eu estou com todos os meus pneus e o estepe arreados por ela na maioria das vezes era muito difícil. É claro que eu não sei disfarçar, mas aparentemente ela não age como se soubesse do que sinto.

Daisy realmente não gosta de muito entusiasmo e simpatia, parece séria demais e muitos diriam fria às vezes, mas continua sendo uma das pessoas mais incríveis que já conheci.

Lembro da primeira vez que eu trouxe café e ela recusou veemente, até eu simplesmente colocar o copo em sua mão. Daisy me fuzilou com um olhar ao mesmo tempo espantado e furioso, mas ela teve que se contentar com isso.

Eu sei, eu sou insistente, mas juro que não sou chata, alguns dizem que sou até legal demais. Eu só quero que todos possam ficar contentes pelo menos uma vez no dia. Está certo que Daisy não ficou muito contente com aquela primeira vez, e ainda não pula de emoção toda vez que trago café, mas o bebe, e eu sinto que ela parece agradecer por isso.

O que nos leva a razão do porquê ela ainda não me ama de volta. Primeiro, eu ainda não me confessei. Segundo, se eu fizer isso vou ter que me demitir, já que "profissional" é o nome do meio de Daisy. Por isso pouquíssimas pessoas realmente sabem alguma coisa dela, além de seu trabalho brilhante e estimado. Ela mantém o número de trabalho separado do pessoal, e jamais pede aos seus funcionários para fazerem algo relacionado a sua vida fora da empresa. O endereço dela deve ser um segredo de estado. E tudo o que eu sei se baseia nas horas que a observo trabalhar em sua redoma de vidro, extremamente concentrada.

[DEGUSTAÇÃO] Talvez em DezembroOnde histórias criam vida. Descubra agora