Capítulo 1: O Último SuspiroA noite cai com um silêncio inquietante, o tipo de silêncio que anuncia que algo está prestes a mudar. Azrael, cuja presença é quase imperceptível para os vivos, observa de longe, oculto nas sombras. Para ele, o ciclo da vida e da morte tornou-se uma rotina sem fim, cada alma um mero número em uma contagem infinita. Séculos se passaram, e agora, ele simplesmente segue as regras de seu ofício, sem emoção, sem hesitação.
Mas naquela noite, algo é diferente.
Ele é chamado para o seu próximo destino, um fim que ele já antecipa antes mesmo de chegar. A cidade está imersa em uma escuridão densa, abafada pelo silêncio. Seus passos o levam a um beco isolado, onde a luz fraca de um poste lança um brilho tênue sobre uma figura solitária. Lá está Claire, uma mulher parada de costas para ele. Ela está viva — seu coração ainda bate — mas ele sente a aproximação da morte. Algo a arrastou até a beira do abismo entre a vida e a morte.
Seu corpo está imóvel, mas seus olhos, fixos no vazio, carregam um cansaço profundo, como se ela já estivesse resignada. Seu rosto está pálido, manchado de sangue em algum lugar entre os cabelos e a têmpora. Um acidente? Uma queda? Ele não sabe, mas a vida dela está esvaindo, lentamente, sem pressa. O mais estranho: ela não parece ter medo.
Ela não deveria vê-lo, sua presença era quase imperceptível, uma sombra que flutuava entre o real e irreal, no entanto, em um instante que parece se estender por uma eternidade, seus olhos encontram os dele. E há algo em seu olhar. Não é terror, não é pânico. É aceitação, talvez até uma calma inquietante. Ela o vê.
Nenhum humano deveria ser capaz de enxergá-lo até que a morte já estivesse selada. E ainda assim, ali estava ela, consciente de sua presença, como se já soubesse o que ele era e o que viria a seguir.
Ele dá um passo à frente, invisível, intangível, e ela não se move. O mundo parece parar ao redor deles. Aurora não clama por ajuda, nem por salvação. O frio da morte está próximo, mas o que o surpreende é sua falta de resistência. Seu silêncio grita mais alto que qualquer súplica.
Ao se aproximar, ele sente algo inédito. Uma hesitação, uma dúvida que nunca o assombrara antes. Ele deveria simplesmente completar o ciclo. Era o que sempre fazia. Mas naquela noite, algo o impede. Havia algo nela — algo que ele ainda não compreendia, algo que o fazia querer saber mais antes de tomar sua alma.
Ela respira profundamente, um suspiro fraco, quase imperceptível. E então, em uma fração de segundo, ele toma a decisão que nunca tomara antes: ele a deixa viver.
O ceifador recua para as sombras, sua presença invisível novamente. Claire, ainda de pé, ferida e vulnerável, não sabe que foi poupada. O que quer que tenha acontecido com ela, o destino, a escolha que ele nunca acreditou ter, foi agora alterado. E ele, pela primeira vez em séculos, se pergunta por quê.
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Leva - me a Vida
RomanceAzrael, o ceifador condenado a decidir o destino das almas, vive imerso na escuridão da indiferença. Após tirar sua própria vida em sua primeira existência, ele foi punido a caminhar entre os vivos sem sentir o peso da própria humanidade. Mas quando...