Autora: Adriana C. A. FigueiredoA Cor da Despedida – Uma homenagem ao Milton
Autora: Adriana Cristina de Almeida FigueiredoPara o grande "Bituca".
Era domingo, dia quente, dia lindo.
Era fim do dia, o entardecer era vibrante. O pôr do sol coloria de vermelho o céu de BH, este lugar tão lindo e acolhedor que a vida escolheu para o grande mestre.
Perdoem-me os outros lugares, todos com sua magia existencial, mas Belo Horizonte, tem um quê de especial, que faz você se apaixonar e fazer daqui seu lugar.
Milton é um dos grandes nomes da Música Popular Brasileira, reconhecido mundialmente pelo seu talento e pela sua influência musical e artística. Em sua turnê de despedida, ele fez questão de anunciar que deixaria os palcos, mas jamais a música, portanto, podemos esperar muita coisa boa deste artista icônico, nosso Bituca. Aquele que fala às multidões com a sua voz, aquele que brinca com as palavras e dá sentido a elas, aquele que eternizou sentimentos em canções e que dedicou a vida à arte.
Neste último show da turnê "A Última Sessão de Música" em nada menos do que BH, ele comemorou 80 anos de vida, sendo 60 deles dedicados à música, à arte, à cultura e à construção de uma linda história.
O artista que nasceu no Rio de Janeiro e era filho de uma empregada doméstica, ficou órfão aos dois anos de idade. Uma das filhas da patroa de sua mãe, Lília, que havia se casado naquela época, resolveu adotar o menino e o trouxe para morar em Minas Gerais, onde ele encontrou a música.
A origem do apelido "Bituca", tem muitas explicações, todas plausíveis e cheias de histórias, mas a que mais me convém apresentar a vocês, é a que ele recebeu na infância por ser uma criança que "fazia bico" ao ser contrariada, portanto não contrariem o artista, ele pode tudo.
Milton, Bituca, Miltinho, o Grande Milton Nascimento, seja ele chamado como for, é um ícone da arte brasileira, porta voz da nossa cultura, da nossa música e da nossa arte. Milton é o nosso Bituca, um homem que dedicou e que continuará dedicando a vida à música e à literatura, de muitas formas, que é uma máquina de compor maravilhas, que ficarão eternizadas para sempre.
Eu sempre relacionei cores a todas as situações e elas aparecem de repente, conforme vou caminhando na vida. Há uma cor para a chegada, outra para a partida. Há cores na saudade e cores na despedida.
Curiosamente naquele domingo, no entardecer ensolarado, marco da história de uma vida, uma grande despedida, o tom, a cor e a sensação do momento eram em vermelho e desde então a cor da despedida, que antes era cinza, passou a ser esta.
Nem sempre temos a oportunidade de uma despedida, mas o nosso Bituca, teve. E foi uma despedida a sua altura, uma despedida que não reuniu apenas sessenta mil pessoas em um estádio de futebol, que aliás foi lindo, a despedida reuniu milhares, milhões de corações em uníssono, fazendo coro para a sua voz.
Aquele entardecer anoitecendo era de uma única cor, era vermelho, não me restam mais dúvidas. O calor começava nas pernas, ia subindo, consumindo, tomando conta do corpo inteiro e esquentava tudo, vibrava nas terminações nervosas e aquecia o mundo.
Sim, aquela despedida foi quente, vibrante, intensa, vermelha.
O vermelho que provocava o rubor da face, o vermelho que rodeava os olhos, tentando em vão conter as lágrimas, o vermelho que pulsava forte em cada coração, bombeando ainda mais sangue que o normal, fazendo jus à emoção que não cabia no peito e ao clamor de cada um que teve a oportunidade de presenciar aquela despedida.
Foi Samuel Rosa quem disse da honra de habitar o mundo no mesmo tempo que o Grande Bituca, o nosso Bituca... E Samuel tinha razão, era aquele o sentimento de todos...
A grande maioria dos nossos amores e dos nossos ídolos, não tiveram a oportunidade de se despedirem e de mudar a cor da própria despedida, porque ao que me consta, a cor da despedida, jamais foi vermelha, antes da despedida do Milton.
A despedida para mim, sempre foi fria... sempre remetia à dor... porque se despedir quer dizer se separar, sem que esse seja o nosso desejo. Se despedir quer dizer deixar partir, se afastar de coisas e pessoas que não queremos deixar para trás ou que não queremos deixar seguir... geralmente, a despedida remete a morte e a morte dói sentir, nos obriga a dar adeus a alguém que amamos e nos faz refletir nas muitas coisas que poderíamos ter feito antes do fim.
Mas aquela despedida foi marcante, quente, aconchegante e, para este sentimento todo que ela acendeu em tantos corações, não há outra cor para definir que não seja vermelho.
Um misto de saudade com amor, uma mistura de nostalgia com beleza, uma certeza da transcendência da história deste grande mestre, que já se eternizou de inúmeras maneiras através da sua arte.
Ver Milton Nascimento naquele derradeiro palco, vestido de luz, com seu famoso e inesquecível poncho, que carrega sua representatividade ancestral, é no mínimo uma dádiva. Confesso que, a cada uma de suas músicas, poesias da alma, retratos de uma vida inteira servindo a arte, eu e tantos como eu pudemos fazer uma viagem à própria origem e nos reconhecer nelas, não somente uma vez.
Um artista que trouxe uma nova cor para a despedida, que depois dele jamais terá uma conotação triste novamente.
Porque a despedida dos palcos deste nosso grande artista foi intensa, como ele foi a vida inteira, foi vibrante, como as ondas sonoras de sua voz que ecoam através do tempo, foi inesquecível, como toda despedida deve ser, foi quente, como a cor que eu hoje, humildemente, dedico à sua vida e história, o vermelho!
Vermelho, quente, marcante, impactante, incandescente, a cor que trouxe outro sentido ao ato de se despedir de alguém, em muitos tons, em muitos sons, que elevaram a máxima potência, a voz única de Milton, que ecoa e ecoará por todo o sempre, dentro de nós, através de nós.
E depois disso tudo que me foi possível elencar aqui, nesta minha humilde homenagem, a despedida ganhou uma nova cor, que de hoje em diante é VERMELHO, intenso como todo o amor que pudemos sentir no derradeiro "Show da Despedida".
Ao eterno "Bituca", muito, mais muito obrigada!Adriana C. A. Figueiredo