A ideia vs. O desafio

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O alarme no relógio de pulso de Lena soou estridente pela sala silenciosa, nos avisando que o horário de almoço tinha começado.

— Posso esquentar primeiro, gente? Estou morrendo de fome! Eu fiz aquele exame de sangue de manhã. — Bruna se levantou, já caminhando para a copa.

O local era praticamente como a cozinha de um apartamento, completamente funcional, com uma geladeira, micro-ondas, forno e até cooktop. Mas era a mesa de jantar que brilhava no ambiente, pois, aquele objeto era como uma réplica do próprio divã de Freud.

Na hora do almoço, nos reuníamos para almoçar e comentar sobre assuntos diversos da vida, embora trabalho sempre acabasse surgindo vez ou outra. E, infelizmente, o tópico mais fresco a ser debatido era claramente a festa de confraternização.

— Quanto será que elas tão gastando nessa brincadeira? — Lena perguntou, enquanto remexia a comida no prato.

— Acho que muito. Mas o que me preocupa mesmo é o raio dessa surpresa. Eu escolhi amarelo num impulso doido, aí só falta ser uma camiseta. Amarelo com o meu cabelo ruivo? Horrível. — Dani reclamou da ponta da mesa.

— Eu nem sei se o Lucas vai querer ir. Ele é maior bicho do mato. — Laura reclamou do marido, enquanto temperava a sua salada.

— O Zé vai, numa boa. — disse Nina.

— O Nando também. — comentou Lena. — Mas o Junior vai ser difícil de controlar, ele está na adolescência da infância.

— O Rafa vai também. Eu sempre vou na confra da empresa dele, então, nada mais justo ele ir à nossa. E olha que lá eu não conheço ninguém, mas ele já conhece vocês. — Bruna falou depois de mastigar seu arroz selvagem.

— É Laura, fala para o Lucas que vai ter gente que ele conhece. — Lena tentou solucionar a questão da colega.

— O Guga também vai. — Dani espetou desanimada seu macarrão. — Ai gente, só falta ser um abadá!

Enquanto elas falavam, eu me mantive em silêncio, fingindo estar concentrada no meu estrogonofe, para que eu não surgisse na conversa, mas a imagem de um abadá com renas e Papai Noel se infiltrou na minha mente e eu comecei a rir sozinha.

— Carnaval no Natal? Parece absurdo, mas às vezes, elas têm umas ideias, que eu não duvido muito não. — comentei, me divertindo ainda mais com o horror nos olhos da Dani.

— Isso é verdade, ainda mais a Rosana... E você está na lista dela, Mari. — Laura disse com um tom de voz que misturava sarcasmo e ameaça.

— Xiii, pior que é mesmo. Se bobear ela te empurra aquele corretor dela, qual é o nome mesmo? — Bruna perguntou estalando os dedos.

— É mesmo! Aquele do Rio, né? Que você arrumou o notebook dele e ele te deu um caixa de chocolates, Mari!

— Credo, gente! O Marco tem idade para ser o meu tio mais velho! — respondi, me lembrando da situação constrangedora que foi abrir a porta e dar de cara com aquele laço vermelho.

— E o shape também, né, com aquela barriguinha de chope.

Marco era um vizinho nosso no prédio, alguns andares abaixo de nós, e tinha sido o corretor de imóveis da minha chefe quando ela trocou um apartamento por uma casa. E um dia, Rosana me pediu para ir até a sala dele, para ajudar com o notebook que não funcionava. Mas, a minha singela simpatia acabou sendo confundida com interesse pelo homem.

Ainda bem que a crise com o computador aconteceu durante uma reunião com outros corretores, caso contrário, a situação toda poderia ter sido mil vezes pior em termos de saia justa. E depois do incidente do chocolate, eu sempre fugia da figura do corretor quando o via entrando no elevador.

— Mas é um risco real, Mari. — Lena apontou o garfo na minha direção.

— Já sei! Instala o Tinder!

Dani deu a ideia como estivesse em uma partida de truco, batendo as mãos na mesa e gritando. No entanto, ao invés de apenas ignorarem o que a ruiva disse, as outras mulheres na mesa concordaram com animação.

— Não! — respondi de imediato, tentando cortar de vez o frenesi delas. — Eu não tenho paciência para isso.

— Ah, Mari, instala, vai! A gente escolhe por você! — Lena apoiou a ideia maluca.

— Eu até converso com os carinhas, por você. Aí você só aparece no encontro real. — Laura completou.

— Mas a gente vai junto, tá! Fica numa mesa ao lado, por segurança, porque hoje em dia não dá pra confiar em ninguém. — Bruna emendou.

— Ah lá, se vocês já desconfiam que o cara é psicopata, por que querem que eu me meta com esse povo doido? — perguntei com altivez e petulância.

— Não precisa ser o Tinder, tem o Bumble, onde é você quem puxa a conversa. — Nina explicou. — Você tem até 24 horas para isso ou o match se desfaz sozinho. Daí você não precisa lidar com os caras já mandando foto do pau de cara.

— Ai credo! — Laura disse. — Não acredito que eles façam isso mesmo.

— Fazem, menina. Aconteceu comigo umas três vezes — confessou a jovem.

— Ainda bem que eu já sou casada e não preciso passar por isso. Se eu me separar do Lucas, vou ficar solteira. — As palavras de Laura foram ditas com convicção.

— Isso foi muito animador. Nossa, fiquei com vontade até de instalar os dois aplicativos — falei com sarcasmo.

Ter minha vida pessoal exposta não era o meu hobby preferido, mesmo que fosse com pessoas do meu círculo mais próximo, afinal, eu passava mais tempo no trabalho com essas malucas, do que em casa.

E eu odiava admitir o quanto os comentários e dedos apontados na minha direção por estar sozinha me incomodavam. Meu lado racional e lógico sabia que solteirice não era um problema, mas algumas pessoas faziam com que se parecesse com uma doença contagiosa e isso era horrível.

A cada olhar de pena ou frase motivacional do tipo "toda panela tem sua tampa", eu sentia uma bola de raiva subir pela minha garganta, ao mesmo tempo em que um milhão de pontos de interrogação começavam a embaçar a minha mente, afinal, era impossível controlar que uma pequena, pequeninha parcela minha se sentisse um grande fracasso e começasse a se questionar se existia alguma coisa errada comigo.

É claro que eu sabia que boa parte dessa pressão idiota vinha da mídia, que nos forçava a acreditar que vidas completas e felizes só existiam quando se estava em um relacionamento romântico amoroso. Uma mistura dos clássicos é impossível ser feliz sozinho e espere o príncipe encantado que irá te salvar com um beijo de amor verdadeiro.

Só que na batalha secular entre razão e emoção, era muito difícil não sentir um abalo de tristeza quando eu olhava ao redor e percebia que, de fato, eu estava sozinha, pois os amigos de antes estavam vivendo suas próprias vidas, casando e formando família, enquanto eu continuava no mesmo lugar.

— Eu DUVIDO que você instale um aplicativo sequer. — Bruna enfatizou a palavra, enquanto me encarava com um sorriso irônico no canto da boca.

— E eu, DUVIDO que você tenha coragem de sair com um cara, que seja! — Laura aproveitou a deixa para me provocar.

Eu e elas sabíamos o quanto eu não resistia a um desafio. Na verdade, elas sempre tiraram vantagem disso, como quando me desafiaram a descobrir se eu conseguiria equilibrar mais de três casquinhas de sorvete em cada mão, apenas como uma estratégia para conseguirem sorvete de graça do fast food ao lado em um dia quente de verão. E tudo bem que eu tenha saído no prejuízo, porque no final, eu tinha provado que conseguia, eu tinha vencido.

Então, no mesmo instante em que as duas me desafiaram, silenciosamente levantei uma sobrancelha de forma sarcástica, enquanto tirava o meu celular do bolso da calça sob o olhar expectante das minhas outras colegas de trabalho.

— Então tá, vamos de Tinder e Trouble — falei, abrindo a tela da loja de aplicativos.

— É Bumble — corrigiu Nina.

— Vai ser a mesma coisa no final das contas — respondi, vendo o avanço da barra de downloads. —Só vai me dar dor de cabeça.

Procura-se match (com date)Onde histórias criam vida. Descubra agora