SÓ MEU

O Esquisito

Acordo com o barulho insuportável do despertador, o som faz meus ouvidos zunirem.
Que inferno, já são sete horas da manhã e eu estou super atrasado pra aula. Não posso faltar, porque hoje tem uma prova muito importante e eu passei a noite toda estudando.

Mas só de pensar que hoje tenho aula de química, já me dá até calafrios. Odeio essa matéria, pra que tantas formulas? Só servem pra tirar a nossa paciência. Prefiro biologia, é muito mais legal.

Levanto num pulo e vou logo pro banheiro tomar um banho bem rápido. Estou precisando.
A água está bastante fria, ela vai escorrendo pelo meu corpo, o que me faz tremer debaixo do chuveiro. O temporal de chuvas aqui em São Paulo aumentou mais do que o normal ultimamente e a temperatura caiu muito.
Acho que está fazendo uns vinte graus lá fora.

Desligo a água e me seco com a toalha, escovo meus dentes com muita rapidez, quase arrancando minha boca inteira, até machuquei um pouco a gengiva.
Depois disso, visto meu uniforme e fico me olhando no espelho, eu amo ficar horas e horas vendo meu reflexo. Não porque sou uma pessoa que tem o ego lá em cima. Tenho sim minha autoestima mas não é nada de mais.
Na verdade, eu gosto muito de combinar looks, eu amo. Quando terminar o ensino médio, quero fazer faculdade de moda.
O que eu tô fazendo? Estou super atrasado.

A escola fica bem perto daqui de casa, a mais ou menos umas duas ruas, então eu posso ir a pé.
Desço as escadas. Chego na sala e meus pais estão sentados no sofá.

- Por que não me acordaram?- Perguntei.
- Queríamos ver se você conseguiria perder mais um dia de aula por causa do sono.- Disse minha mãe ironicamente.
- Nossa, que exemplo de pais vocês são.- Falei brincando.
- Olha aqui moleque.- Disse meu pai jogando um chinelo em mim.
Desvio rapidamente dando uma risada.
- Até mais tarde coroas. HAHAHA.- Abro a porta para sair.
- Espera... Não vai comer nada?- Pergunta minha mãe se levantando e indo para a cozinha. Ela sempre se preocupa com a minha alimentação. E ela está certa, eu como bem pouco. Meu corpo não é magro, estou praticamente "em forma". Mas minha alimentação é péssima.
- Ah mãe, não quero nada não.- Respondo com desânimo, mesmo sabendo que ela ia me forçar a levar algo.

Ela retorna da cozinha com um sanduíche e uma garrafinha com suco, obviamente de laranja, ela sabe que eu adoro.

- Pegue, você sabe que saco vazio não para em pé.- Diz ela me dando um beijo no rosto.

Pego o lanche da sua mão.

- Obrigado mãe, mas agora tenho que ir. Tchau.- Digo passando pela porta e indo em direção a escola o mais veloz que posso.

***

No caminho quase fui atropelado por ter ultrapassado a faixa de pedestres com o sinal aberto. Só mais uma adrenalina matinal. Talvez eu me foda numa dessas? Talvez.

Chegando na escola, vejo o Fábio, meu amigo, me esperando no portão acenando pra mim. Ele batia o pé no chão, parecia está furioso. E não é por menos né. Fiz o pobre esperar até agora.

- Mas que porra você tava fazendo que demorou tanto?- Indagou ele me dando um soco no braço.
- Foi mal aí, acabei dormindo de mais.- Falei dando um leve empurrão nele.
- De novo né? Tiago, me diz o que você tanto faz a noite que não dorme? Tá transando com alguém e não me contou?- Ele pergunta como se já não soubesse da resposta.
- Você sabe muito bem que eu fico estudando até mais tarde.
- Sei, sei...
- Vamo entrar logo, pelo amor de Deus.
- Tá bom senhor estudante. As damas primeiro.- Disse ele apontando pro portão com os dois braços.
- Vai tomar no cu Fábio.- Digo passando por ele e revirando os olhos.
- Que mal criada. Haha.- Ele vem correndo atrás de mim e me dá um tapa na bunda.
- Tá querendo apanhar né?
- Vai me dizer que você não gosta?- Diz ele com um sorrisinho sacana.
- Fica na sua. Hahaha.- Ele sempre fica tirando esse tipo de brincadeira comigo. Só porque sou gay. Mas não é pra tirar sarro da minha cara. Até por que, nem me incomodo com isso. Acho até engraçado.

O sinal toca, isso significa que a aula já vai começar. Gracas a Deus, cheguei a tempo e não fiquei do lado de fora.
Minha primeira aula era de Matemática. O professor é insuportável. Sempre reclama de tudo, não explica as coisas direito e os alunos que tem que se virar pra entender.
Estou no último ano do ensino médio e não vejo a hora de acabar tudo isso.

Chego na minha sala, Fábio está bem atrás de mim. Todos já estão sentados esperando. O pessoal daqui é chato, quer dizer, nem todos mas a maioria sim.

No canto da frente ficam as garotas "perfeitinhas" da escola. Um grupinho de quatro garotas. Marya, uma adolescente de dezessete anos, branca, e tem cabelos pretos e curtos, corte channel, seus olhos são verdes como esmeralda.
Dania, também com dezessete anos, parda, também com olhos verdes, mas seus cabelos são ruivos como chama, e são bem longos, chegando até sua cintura.
Serena, tem dezoito anos, é mais velha delas, negra, seu cabelo é maravilhosamente longo e cacheado, e seus olhos são cor de mel.
E a última, a abelha rainha, a mais fresca, a mais insuportável... Penha, ela é a típica garota loira, olhos azuis, magra, branca e que se acha melhor que os outros. Um porre.
Elas estão conversando sobre um assunto que pouco me importa, mas com certeza estão julgando alguém.
Se tiver sorte, elas não vão me notar.

- Bom dia Titi.- Diz Penha acenando e dando um sorriso.
Mas que boca desgraçada.
- Bom dia Penha do meu coração.- Digo dando um sorriso falso como o dela.- Eu já te pedi pra não me chamar assim.
- Desculpa Titi... Quero dizer... Tiago. É a força do hábito. Ah, oi Fábio.
- O-oi P-Pe-Penha.- Responde ele nervoso. Infelizmente o meu pobre amigo gosta dela, mas a mesma não dá bola pra ele.
- Olha, você tá sabendo da novidade?- Pergunta Serena. Ela tá esperando eu dizer que que não, só pra poder fazer fofoca.
- Não, não estou. O Pedro traiu a namorada de novo?- Esse cara já tinha traído a coitada umas cinco vezes, mas ela não largava o meliante.
- Dessa vez não.- Diz Marya.
- Conta longo então.- Diz Fábio com impaciência.
- Tem um garoto novo na escola.- Diz Dania.
- E daí? Qual o problema?- Pergunto.
- Me falaram que ele é bem esquisito.- Disse Serena como se estivesse com nojo.
- Esquisito como?- Pergunto.
- Esquisito tipo... o Fábio. Só que pior.- Responde Marya com deboche. E todas elas caem na risada.
- Ah, ok, ok . Tudo bem, agora nós precisamos sentar. Boa aula pra vocês meninas.- Saio logo dali puxando o Fábio pelo braço. Eu não aguentaria um dia trancado em uma casa com essas quatro.

Realmente, elas não são nada fáceis de lidar.
Mas ainda existem pessoas legais aqui dentro, como a minha amiga Lorena. Ela tá viajando agora, então não vai poder vir.

Eu e o Fábio nos sentamos lá atrás, bem longe das patricinhas de Beverly Hills. A única coisa ruim, é que bem na nossa frente se sentam os caras mais sem noção da escola. Os jogadores.
Admito que eu tenho um leve crush em jogadores de futebol, mas esses aqui me fazem rever minhas preferências.

O "líder" deles é o Pedro, o cara das cinco traições.
Ele é metido, riquinho, tem cabelos pretos e lisos em um topete muito escroto, tem a pele parda, o corpo malhado, olhos castanhos e... é hetero top. ECA.

Assim que nos sentamos, ele se vira para mim.
Já sei que ele vai falar merda, é o que ele faz sempre.

- E aí bixas, como estão?- Todos eles dão risada daquela fala super homofobica.
- A gente tava tão bem... Só que aí você abriu a sua boca pra falar e começou a subir um fedor de bosta... tá insuportável viu.- Digo tapando o nariz e rindo.
- Agora você vai ver seu viadinho.- Diz ele se levantando, já pronto pra partir pra cima de mim.
- PEDRO... sente-se agora.- Era o professor. Salvo pelo gongo. Eu não tenho medo do Pedro, mas ele é bem mais forte que eu.
- Tá vendo aí seu merdinha.- Diz Fábio dando o dedo do meio para Pedro.
- Você me paga.- Diz Pedro olhando pra mim. E eu dou de ombros.
- SILÊNCIO. Nós temos um novo aluno na nossas turma... pode entrar.- Pela porta, passa um garoto alto de cabelos ondulados e volumosos, e está com um headphone no pescoço. Ele está olhando para baixo, mas por um segundo ele olha para mim e vejo a cor de seus olhos, são âmbar, muito bonitos, como seu rosto.- Deem boas vindas ao... Qual o seu nome mesmo?- Pergunta o professor.
- M-meu nome é... Vitor.- Responde ele ainda de cabeça baixa.
As quatro meninas metidas sussurram alguma coisa entre si. Mas obviamente não deu pra ouvir.
- Deem boas vindas ao Vitor.- Diz o professor olhando para ele.- Você pode se sentar ali, ao lado do Tiago, tem um lugar sobrando.

Então ele caminha na minha direção. Quanto mais ele se aproxima, vejo ainda mais o quanto seu rosto é perfeito.
Ele senta ao meu lado mas sem dar um piu, e sem nem mesmo olhar para mim. Mas nem liguei. Os novatos são sempre assim, depois se abrem pras pessoas.

- Então classe, abram os seus livros na página 73. Hoje vamos estudar sobre logaritmo...

Ah não. Aquele ia ser um looongo dia.