CAPÍTULO ÚNICO

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Ushuaia, Argentina, Julho de 1952.

Mais uma manhã de trabalho despontava no presídio de segurança máxima Jamón Saldanha na Terra do Fim do Mundo. Era um inverno denso, com ar opaco, mórbido e sem sol, graças às poucas horas de luz que os dias de tinham naquela estação por aquelas bandas.

Diariamente os presos embarcavam as 7h00m no trem da penitenciária, que os levava margeando o rio Pipo acima até chegar aos grandes bosques da região para extração de árvores – usadas como lenha – e em busca de materiais para expansão do presídio e construção de residências populares.

Apesar de nevar muito naquela manhã, a previsão do tempo noticiou no rádio que nada atípico estaria por vir. Assim, no horário precisamente marcado, o trem saiu com lotação máxima ao seu destino.

Além dos sessenta detentos, estavam no trem vinte monitores carcerários, o maquinista Alfredo Molina, o padre Júlio Gadiol – capelão da prisão – e o repórter da TV Roseta de Buenos Aires, Almir Paredez que registrava o cotidiano daqueles homens para um documentário.

A viagem seguia como de costume. Cerca de 40 minutos subindo, aproximaram-se da região das turfeiras, uma área pantanosa e densa, porém bonita. Era a primeira vez de Almir observando boquiaberto aqueles campos outrora alagados, mas agora congelados.

Seguindo a viagem alguns minutos à frente era possível vislumbrar a reconstrução de um assentamento Yámana – uma das tribos indígenas que habitavam a região desde antes de sua colonização, e que eram responsáveis por dezenas de lendas e mitos bem populares no país. Paredez registrava tudo em seu diário e em seu gravador de voz.

— Agora a gente vai ter que cortar árvore sendo fotografado, feitos de palhaços pra esses jornais comunistas — disse um dos presos a um de seus companheiros, franzindo a testa e ajeitando o suspensório, finalizando a nítida insatisfação com uma cusparada no chão.

— Cala essa boca! — ordenou um dos monitores de ar mórbido e indiferente dando uma coronhada na cabeça do sujeito irritadiço.

Cerca de uma hora após a partida, o trem chegou ao seu destino. A estação final ficava numa floresta de Lengas, árvore típica dos frios biomas presentes nos bosques andinos patagônicos. Assim que pararam, os monitores foram de vagão em vagão organizando os detentos e dando as seguintes instruções:

— Atenção! Vocês já sabem como funciona. Equipes por vagões, grupos de dez em dez. As ferramentas estão no galpão central. Peguem somente a sua e sigam para o local do corte.

Assim prosseguiram todos ordenadamente como de costume.

— O Sr. acha que vai ter algum problema se eu conversar com algum deles no intervalo entre as derrubadas das árvores, padre Gadiol? — indagou efusivo o jornalista Paredez ao ajoelhar-se próximo ao sacerdote, enquanto batucava sua caneta tinteiro em seu diário.

— Problema nenhum, meu filho — respondeu Gadiol bondosamente com um sorriso. — Vou lhe ajudar nesta missão!

Ao saírem do trem, Paredez reforçou seus agasalhos e, se rendendo ao frio congelante, abortou a missão de tomar nota de depoimentos e decidiu apenas gravá-los.

Algum tempo depois, na primeira pausa dos detentos, Paredez seguiu com seu trabalho e sob supervisão de um monitor foi conversar com um dos apenados no galpão central, onde ficavam entre um turno de corte e outro.

Sentados como estavam em pallets de madeira, a entrevista começou:

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INVERNO ESCARLATE - Uma noite de dor e mistério.Onde histórias criam vida. Descubra agora