O Pássaro Que Não Voa

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   Eu sou um pássaro, um pássaro preso em uma gaiola. Não lembro como ou quando, mas sempre estive aqui, nessa gaiola. Desde quando nasci.
   Gosto daqui, é escuro, aconchegante. Antes eu lutava para sair. Batia minhas asas. Voava. Me jogava contra as grades. Piava o mais alto que conseguia. Agora não mais. Percebi que essa gaiola é meu lar. Meu lar seguro e pequeno. Meu lar. Meu único lar.
   Então arranquei minhas asas com minhas garras. "Não preciso dessas malditas me atrapalhando, são grandes demais". É o que pensava enquanto lágrimas da dor de arrancar uma parte de mim escorriam dos meus olhos. Mas era uma dor necessária, afinal eu jamais sairia daqui, e nem queria. Não precisava delas ocupando espaço e me impedindo de me mover.
   Até o dia em que me tiraram do meu lar pequeno e confortável, e me botaram em uma janela aberta. Olhei para fora, a luz era forte demais, fazia minha visão doer. Tudo era muito claro, muito quente, muito espaçoso. Corri para a minha gaiola escura e fria, mas me tiraram de lá novamente e me obrigaram a ficar naquela janela aberta. "Voe." Eles disseram. "Está livre para ir."
   Mas eu não queria, não queria abandonar minha gaiola, meu lar desde que eu me lembro. Observei de novo para fora da janela assim que meus olhos se acostumaram com a luz. "Que lugar estranho". Pensei. "Tudo tão verde, tão claro, e essa imensidão azul? Tão assustador, nada do que eu estou acostumado." E de repente um pássaro igual a mim pousou do meu lado. "Ei amigo". O pássaro disse. "O que você é?". "Como?" Perguntei. "O que você é?" Ele repete. "Não vê? Eu sou um pássaro. Tal como você." Eu disse. "Ah é? Então onde estão suas asas?" Ele perguntou abrindo suas asas grandes. "Ah, minhas asas? Eu as cortei." "Cortou suas próprias asas? Você é maluco?" O outro semelhante a mim perguntou com horror. "Claro que não. Cortei minhas asas porque não preciso delas, elas só ocupam espaço." Eu disse. "Mas é claro que precisa! Como irá voar sem elas?". "Voar? Como assim voar?" Indaguei. "Voar. Nós somos pássaros, nosso lugar é voando no céu azul."
   Olhei para cima e vi aquele lugar azul e enorme que se chama céu. Outros pássaros voavam por ele, pareciam felizes, livres. E com asas grandes e bonitas. "É para isso que serviam minhas asas." Pensei. "Mas então porque eu estava em uma gaiola que me impedia de voar?". Olhei para aquilo que eu chamava de lar. Tão pequeno. Tão frio. Tão escuro. Tão vazio. Nada comparado aquele lindo céu claro e acolhedor. Aquele deveria ser meu lar, meu lar grande e quente. Meu lar confortável e claro. Meu lar. Meu único lar. Eu deveria estar ali, voando com minhas asas grandes. Planando pela imensidão azul junto com outros pássaros. "Oh céus, por que cortei minhas asas?" Perguntei através de lágrimas que escorriam dos meus olhos. "Doeu tanto, uma dor desnecessária." Olhei para minhas costas, o lugar onde deveriam estar minhas asas. Agora está ocupado por cicatrizes horríveis. "Será que irão crescer de novo? Será que algum dia poderei voar e ser livre como os outros pássaros?" Pensei. Mas acho que não, eu arranquei minhas asas, arranquei uma parte de mim.
   De repente comecei a odiar minha gaiola, aquela maldita gaiola apertada que me impedia de me mover com minhas asas. Agora estou aqui, livre mas ao mesmo tempo preso ao chão. Acorrentado por ações passadas. E isso é culpa minha, tudo isso é culpa minha, somente minha e de mais ninguém. E por minha culpa estou destinado a viver sobre a terra pelo resto da vida, quando eu poderia estar voando livre pelo céu.

Contos Adormecidos pelo VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora