epílogo: restos

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Quanto resta de mim em você? Será que é o mesmo que resta de você em mim? Quanto mais deixo o meu cabelo crescer, mais eu te vejo. Quanto mais profundamente olho para a cor dos meus olhos, mais eu enxergo a cor dos seus. Quanto mais eu toco a minha pele, mais é o calor da sua que eu sinto. E eu me sinto despertar. E sinto que algo em mim se esclarece. Me desperto e me esclareço porque percebo que talvez tudo esteja ao contrário. E então me sinto estúpido, estúpido e romântico, mas romântico no pior dos sentidos. Sou aquele que se fecha em si mesmo e que se reflete em tudo o que vê, um tudo que é pouco, muito pouco, um pouco extremamente limitado. Me tornei aquele que percebe, no mundo, apenas expressões de si mesmo, pretextos para apontar a própria sensibilidade e romantizar a própria falta de presença. Porque sei a verdade. No fundo de mim mesmo, eu sei que sei. E sei que, em você, já não resta nada de mim. Acho que também não me resta muito de você. E não é por orgulho ou desrespeito que digo isso, mas por vergonha, por um pesar sincero e humilhante. O que achei que havia me sobrado de você não passa de um mero resquício do meu próprio ego. E quando tento me convencer de que já fui capaz de adorar alguma coisa sua, vejo que adorei a ideia de te adorar — e que adorei ainda mais a ideia de ser adorado por você. É possível ter um único sentimento verdadeiro? Todos me parecem falsos. Parece que tudo, ao fim de cada dia, retorna às veias do egoísmo. Faço o que faço pensando em mim, sem me dar conta de que é assim que o faço. Tento enganar a mim mesmo enquanto engano aos outros. Repito que sou empático e altruísta como se a repetição fosse criar uma regra, mas, no fim, tudo se mostra nulo. Tudo é nulo. Tudo é nada. Parece que não há uma só coisa que exista de verdade. Quando me lembro de você, é da sua intensidade que eu me recordo, e quando busco rastros dessa intensidade, rastros para alimentar o monstro feito de ego em que sei que me tornei, já não encontro mais nada, morro de fome. É errado julgar que jamais houve algo de mim em você, afirmar que você nunca me adorou como dizia adorar? Sim, é errado. Sei que não é justo deduzir a ausência de sentimentos que nunca me pertenceram, mas algo me diz que não somos tão diferentes quanto eu pensava. Somos ambos fantasmas, não somos? Fantasmas um do outro. E a verdade é que nem todas as pessoas enxergam fantasmas. Eu acho que enxergo o seu. Talvez, na verdade, eu esteja enxergando as bordas embaçadas da minha própria sombra. Mas você...você, você, você. Você nem deve se lembrar de mim para perceber que existe um fantasma meu te circulando, te enroscando, sendo egoísta ao seu redor. E eu peço desculpas, mil desculpas dentre as mais sinceras e as mais esfarrapadas. É que ainda não aprendi a esquecer. E sei que sou um peso. Mas estou faminto, faminto por qualquer coisa. E quando sinto fome, eu tenho essa tendência estúpida de tentar me saciar com o que me restou de você — ou seria o que me restou de mim mesmo? Tanto faz. A esta altura, já não sei a diferença entre uma coisa e a outra. Você é nada. Eu sou nada. Fomos do universo ao abismo. Os dois são o mesmo, um grande vazio. Isso é tudo.

por causa da chuva [taekook]Onde histórias criam vida. Descubra agora